6 de dezembro de 2025
Politica

O poder não respeita o espaço vazio, nem a fragilidade

“Fizemos tudo dentro da legalidade”, diz o ministro Gilmar Mendes. Logo, não haveria motivo para um impeachment. E, não havendo, estes 81 pedidos que andam em alguma gaveta, no Senado, não passariam de abuso. Ótima síntese do que se tornou nossa República, nos anos recentes. O ministro se põe, ele mesmo, como instância de autocontrole. Neste plano, para que mesmo o controle externo? O ministro fala em “impeachments abusivos” e “retaliação política”. Tradução: dado que há uma chance de uma mudança no Senado, pelo voto, e a partir daí algum controle sobre o STF (inclusive um processo de impeachment), é melhor ir logo ajustando a regra do jogo, para evitar alguma incomodação.

Plenário do Senado Federal, em Brasília
Plenário do Senado Federal, em Brasília

A decisão não diz apenas respeito à Lei do Impeachment, de 1950. Ela atinge diretamente a Constituição, que atribui ao Senado a competência privativa de “processar e julgar” ministros do STF. Se a nova regra valer, restaria aos senadores demandar a PGR que movesse um eventual processo. A PGR passa a funcionar como filtro originário do processo. Na prática, o exercício da competência privativa do Senado passa a depender da vontade da PGR – um tipo de competência compartilhada, jamais prevista pela Constituição. O que temos é a opinião de um ministro “ajustando” um comando Constitucional. Extraindo não apenas uma prerrogativa dos cidadãos, mas uma competência do Poder Legislativo. Com um agravante: o órgão controlado definindo os limites do próprio controle. Exatamente o oposto do que o constituinte definiu, em respeito ao sistema de freios e contrapesos, que define muito do que chamamos de república.

Isso não começou agora. Quando os ministros abriram o primeiro inquérito sobre fake news, em 2019, não havia lei alguma que amparasse aquela decisão. E a maioria silenciou. Quando uma avalanche de censura prévia foi praticada no País, à revelia do que diz a Constituição, a maioria silenciou. Quando cidadãos sem foro foram julgados diretamente pelo STF, contrariando nosso ordenamento legal, a maioria silenciou. Foi por isso que chegamos até aqui. Porque era o “outro lado”, porque havia alguma urgência política e porque estamos no Brasil “e não na Inglaterra”, como me definiu um colega, melancólico.

Sob este ângulo, entendo perfeitamente a decisão do ministro. O poder não respeita o vazio. Se o Senado até agora não exerceu seu papel de controle, por que o faria agora? O Supremo avança suas casas sobre os demais Poderes, como o fez com os direitos individuais, por uma velha e boa razão da política: porque pode. Porque entendeu que somos um país de instituições frágeis. Porque o presidente da Câmara diz que é tudo uma questão de “polarização política”, porque boa parte do mundo jurídico silencia, dado que depende do próprio Supremo. E porque há medo no país. E, vamos convir, muita pouca espinha dorsal republicana, na liderança do Congresso. Como vamos sair disso? Há bom tempo me faço esta pergunta. E confesso, ao menos por ora, que não encontro nenhuma resposta.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *