10 de dezembro de 2025
Politica

Filho de desembargador suspeito de vender sentenças aumentou rendimentos em 174 vezes, diz ministro

Um filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel – sob suspeita de ligação com esquema milionário de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul -, aumentou seus rendimentos em 174 vezes, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que culminou na abertura de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra o magistrado. Rodrigo Gonçalves Pimentel, advogado, teve quebrado seu sigilo bancário e fiscal por ordem do Superior Tribunal de Justiça no âmbito da Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal.

O desembargador atribui ‘ilações’ aos investigadores. Ao CNJ, o magistrado afirmou que as suspeitas sobre sua conduta ‘são levianas e não correspondem à realidade’. O advogado Rodrigo Pimentel não retornou as solicitações do Estadão para se manifestar. O espaço está aberto.

A evolução patrimonial de Pimentel chamou a atenção dos investigadores ‘em razão do aumento exponencial de sua renda em curtíssimo período de tempo’. Aos autos de Reclamação Disciplinar na Corregedoria Nacional de Justiça foi anexado o rastreamento promovido pela Receita sobre os movimentos financeiros do advogado. “No que diz respeito aos seus rendimentos declarados, é importante citar o aumento repentino de seus recebidos.”

Em novembro, durante sessão do CNJ, o ministro Mauro Campbell, corregedor-nacional de Justiça, votou pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar que poderá culminar em graves sanções contra Sideni, até a cassação de sua aposentadoria. Em relatório de 106 páginas, ao qual o Estadão teve acesso, Campbell deu peso importante para as informações da Receita anexadas aos autos da Operação Ultima Ratio. Elas indicam movimentações financeiras expressivas do filho do desembargador.

Sideni Soncini Pimentel afirma que suspeitas sobre sua conduta ‘são levianas e não correspondem à realidade’
Sideni Soncini Pimentel afirma que suspeitas sobre sua conduta ‘são levianas e não correspondem à realidade’

Desencadeada em outubro do ano passado, a operação levou ao afastamento cautelar de cinco desembargadores, entre eles Sideni Soncini – na ocasião, todos passaram a usar tornozeleira eletrônica.

Investigadores suspeitam que o magistrado teria mantido os filhos Rodrigo e Renata Gonçalves Pimentel, ela também advogada, como suposto elo de uma ampla rede de ocultação de propinas na Corte. A engrenagem para lavagem de ativos mobilizou outros advogados, filhos de outros desembargadores, diz a investigação.

Sideni nega categoricamente que tenha julgado feitos patrocinados por seus filhos no Tribunal de Justiça. Em defesa prévia ao CNJ, sua defesa afirmou. “Jamais julgou quaisquer processos em que seu filho ou filha tivessem figurado como advogados ou representantes.”

Sobre seu patrimônio, o desembargador alega que ‘possui estreita correlação com mais de 43 anos de magistratura’. Rechaçou a prática de delitos de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de capitais, que lhe são imputados.

A reportagem do Estadão pediu manifestação dos advogados Rodrigo Pimentel e Renata Gonçalves Pimentel. O espaço está aberto.

‘Aumento exponencial’

Diz o rastreamento promovido pela Receita sobre o advogado. “No que diz respeito aos seus rendimentos declarados, é importante citar o aumento repentino de seus recebidos. Rodrigo Pimentel declarou no ano de 2017 ter recebido como rendimento anual o valor total de R$ 52.500,00.”

Em 2018, o advogado declarou ter recebido de rendimento anual o valor total de R$ 3.310.068,00, ‘ou seja, de um ano para o outro o investigado aumentou seus rendimentos em mais de 62 vezes’.

“Mais do que isso, Rodrigo Pimentel declarou ao Fisco no ano de 2022 rendimento anual no valor total de R$ 9.226.989,95, isto é, em 6 anos ele aumentou seus rendimentos em mais de 174 vezes, fato esse que destoa da normalidade”, pontua o documento encartado nos autos da Ultima Ratio.

Em outubro passado, aos 73 anos, ainda restando dois para alcançar a aposentadoria por idade, o desembargador Sideni pediu para passar imediatamente à inatividade. Sua estratégia, no entanto, pode ser frustrada pelo CNJ que, em novembro, por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Edson Fachin, abriu o Processo Administrativo Disciplinar.

Fachin: ‘indícios contundentes’

O ministro do STF indica que há contra o desembargador ‘indícios contundentes de recebimento de vantagem indevida recebida pessoalmente, ou por intermédio de terceiros, para a prolação de decisões judiciais com desvio funcional e a possível prática de nepotismo’.

O voto decisivo de Mauro Campbell Marques, o corregedor-nacional de Justiça, está exposto em 106 páginas, nas quais ele detalha os passos do desembargador sob suspeita e de seus filhos advogados.

Campbell assevera que a ‘aposentadoria voluntária’ de Sideni, concedida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, ‘não impede a instauração de PAD, por fatos praticados quando o requerido (Sideni) ainda ocupava o cargo de desembargador’.

A fase ostensiva das investigações da Ultima Ratio teve origem em indícios de que Sideni teria atuado ‘em processos nos quais as partes tiveram seus interesses patrocinados por advogados que dispunham de grande proximidade com o magistrado, assim como, supostamente, recebeu vantagem indevida para a prolação de decisões judiciais, por intermédio de seus filhos, ostentando, atualmente, patrimônio individual incompatível com seus rendimentos formais’.

A PF identificou outro advogado, Felix Jayme Nunes da Cunha, como suposto negociador de decisões judiciais. Ele teria realizado ‘movimentações bancárias significativas para Rodrigo Pimentel e uma de suas empresas (Ipê Assessoria) nos anos de 2015 e 2017, em datas contemporâneas à apreciação por Sideni Soncini Pimentel de ações ajuizadas pelo próprio Felix Jayme’.

Valores depositados em favor do filho do desembargador chegaram a R$ 227 mil entre 28 de agosto de 2015 a 14 de dezembro de 2017, em cinco operações.

‘Consórcio’

“Foi revelada a existência de um verdadeiro consórcio entre desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e seus filhos advogados, cujos interesses eram inegavelmente prestigiados, muitas vezes, de maneira cruzada, mediante o recebimento indireto de vantagens indevidas, como contrapartida pelas decisões proferidas por seus genitores”, assinala o corregedor Campbell.

Sideni integrava a 4.ª Câmara Cível da Corte, ‘juntamente com os investigados desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Bastos e Júlio Roberto Siqueira Cardoso’.

Já aposentado, Siqueira Cardoso foi alvo da fase ostensiva da Ultima Ratio, em outubro do ano passado. Em sua residência, a PF encontrou e confiscou quase R$ 3 milhões em espécie.

O corregedor destaca que ‘os filhos do desembargador, os advogados Rodrigo Pimentel e Renata Pimentel possuem escritório (Pimentel, Mochi & Bento Advogados Associados) no mesmo endereço do escritório Machado Abreu Advogados Associados, pertencente aos filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva, a saber, os advogados Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva e Ana Carolina Machado Abreu da Silva’.

Para o corregedor, a proximidade entre os desembargadores Sideni Soncini Pimentel e Vladimir Abreu, integrantes da mesma 4.ª Câmara Cível do Tribunal, ‘se traduziu na proximidade entre seus filhos, que não vislumbraram qualquer problema em atuarem de maneira cruzada, em feitos relatados por seus genitores, apesar de ocuparem, inclusive, o mesmo endereço, na Avenida Hiroshima, em Campo Grande/MS’.

Mauro Campbell é taxativo. “Foram reunidos indícios contundentes de que, tais coincidências ultrapassaram a esfera que delimita o âmbito de atuação lícita da advocacia – função essencial à Justiça –, para assumir relevância não apenas correicional, como também criminal, a justificar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de Sideni Soncini.”

O cerco ao desembargador passou à atribuição do Superior Tribunal de Justiça em razão do declínio de competência feito pela 3.ª Vara Federal de Campo Grande, do Inquérito Policial nº 2020.0024560, que por sua vez havia sido instaurado como desmembramento da Operação ‘Lama Asfáltica’ para investigar crime de lavagem de capitais envolvendo o advogado Félix Jayme. ‘Lama’ é uma investigação da PF sobre desvios de recursos em contratos de pavimentação.

Nessa investigação foram obtidos ‘fortes indícios’ da atuação de Félix como suposto ‘facilitador’ de lavagem de dinheiro para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, Osmar Domingues Jerônimo.

Segundo o corregedor, com o aprofundamento das apurações foram angariados, ‘em encontro fortuito de provas’, indícios da suposta negociação de decisões judiciais, com o envolvimento de desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, o que motivou a abertura do inquérito perante o Superior Tribunal de Justiça.

Os indícios foram obtidos a partir da análise do telefone de Danillo Moya Jerônymo, servidor do Tribunal e sobrinho do conselheiro do Tribunal de Contas. Diálogos recuperados pela PF citam uma ação sobre empréstimos financeiros e a titularidade de um imóvel rural identificado como ‘Fazenda Paulicéia’, situada em Maracaju, interior de Mato Grosso do Sul.

A partir da página 67 e até a 81, Campbell escreve um capítulo ao qual emprestou o título ‘Dos indícios de confusão patrimonial entre o desembargador e seus filhos advogados’.

Segundo o ministro, ‘durante as investigações, também foi constatado pela autoridade policial, no bojo do Relatório de Análise de Polícia Judiciária PF nº 121198/2023, que o investigado Sideni Soncini Pimentel realizou movimentação de grandes somas de dinheiro com seus filhos Rodrigo Pimentel e Renata Pimentel’.

O documento relata comunicação do Sistema de Crédito Cooperativo (SICREDI) ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) informando que, em 16 de outubro de 2018, Rodrigo fez um depósito em espécie no valor de R$ 90 mil na conta de seu pai, ‘alegando tratar-se da devolução de um empréstimo’.

Há referência a uma outra comunicação, dando conta de que Renata fez ‘movimentação vultosa em conta bancária no período de 4 de outubro de 2021 a 21 de julho de 2022, com créditos que somaram R$ 3.745.009,08′.

Nos apontamentos foram indicados o recebimento de R$ 258 mil por meio de três depósitos em espécie, assim como pagamentos de boletos de Sideni, totalizando R$ 14.954,98.

Durante a análise do celular de Renata foi constatada uma troca de mensagens em que a advogada afirma expressamente que comprou uma caminhonete para seu pai.

Filha de Sideni afirma expressamente que comprou uma caminhonete para o pai
Filha de Sideni afirma expressamente que comprou uma caminhonete para o pai

Em outro diálogo com um funcionário de banco, ‘Renata pede para que o carnê de financiamento seja enviado para sua residência, pois é ela quem vai pagar o valor do veículo, o que indicaria, além de confusão patrimonial, indícios de que esta seria uma forma de repassar para seu genitor, o desembargador Sideni, uma parte substancial das vantagens indevidas auferidas em razão do exercício de sua função’.

“A confirmar a grande movimentação de dinheiro em espécie, Renata tratou com a gerente do banco a quitação antecipada de um contrato de financiamento, com depósito em espécie de R$ 213 mil”, segue o relatório Campbell. “Em resposta, a gerente do banco afirmou a Renata que ‘(…) inclusive, aqui no Tribunal tenho muito problema, porque vem muita gente com dinheiro em espécie pra pagar boleto e a gente não pode’.”

Renata fez 'movimentação vultosa em conta bancária no período de 4 de outubro de 2021 a 21 de julho de 2022, aponta relatório
Renata fez ‘movimentação vultosa em conta bancária no período de 4 de outubro de 2021 a 21 de julho de 2022, aponta relatório

Ainda segundo o ministro-corregedor, ‘ao analisar as empresas controladas por Rodrigo Pimentel, foi constatado que várias delas possuem endereço no mesmo local do seu escritório de advocacia, o qual é compartilhado com o escritório de advocacia dos filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva’.

No mesmo endereço, diz a PF nos autos do inquérito Ultima Ratio, funciona a empresa R.P. Imóveis de Rodrigo Pimentel, a qual foi responsável por enviar uma TED de R$ 66.830,00 em 5 de julho de 2022 para a conta do desembargador ‘sem qualquer causa que amparasse a transferência’.

No mesmo local funcionam doze empresas ligadas a Rodrigo, todas no mesmo endereço de seu escritório de advocacia. Segundo Campbell, ‘ao analisar a movimentação bancária das empresas de Rodrigo, a autoridade policial salientou que o advogado, com preocupante frequência, envia recursos de uma conta de pessoa jurídica para outra, antes de transferi-la para seu destino final, a revelar inegável escopo de ocultação de recursos de origem não identificada’.

No mesmo local funcionam doze empresas ligadas a Rodrigo, todas no mesmo endereço de seu escritório de advocacia
No mesmo local funcionam doze empresas ligadas a Rodrigo, todas no mesmo endereço de seu escritório de advocacia

Gado

Ao cruzar a base de dados do CNPJ com plataformas oficiais de monitoramento do mercado de trabalho, a PF identificou que pelo menos seis empresas atribuídas ao advogado ‘não possuem registros de funcionários em seus quadros, assumindo existência meramente formal’.

Com o objetivo de identificar operações formalizadas entre o desembargador e seu filho, a PF constatou a emissão de seis notas fiscais, todas de 4 de abril de 2017, ‘tendo o magistrado como remetente’. As notas fiscais são referentes à venda de gado, atingindo o valor total de R$ 207.448,85 pela venda de 200 cabeças de gado.

“Ocorre que, ao verificar a operação declarada em cotejo com a movimentação financeira do desembargador, observou-se que não foi identificada qualquer contrapartida financeira com seu pai, que justificasse a emissão das notas, a indicar inegável confusão patrimonial entre ambos”, pontua o corregedor.

Na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda de 2018, Rodrigo declarou ter pagado a seu pai o valor de R$ 192 mil em razão de um ‘empréstimo pessoal’.

A análise dos dados bancários entre pai e filho no ano de 2018, revelou que o total transferido entre eles naquele ano foi de apenas R$ 127,5 mil reais, ‘inexistindo, portanto, efetiva correspondência entre o que fora declarado e o que foi efetivamente transferido’.

Dados bancários relativos a 2023 apontam transferências de Rodrigo para seu paiem altos valores, que foram justificados ao banco como empréstimos’. A análise da movimentação evidencia que ao menos R$ 250 mil foram cedidos por Rodrigo a seu pai, sob tal justificativa.

Em 2022 também foram identificadas duas transferências de ‘alto valor’ da empresa R.P. Imóveis, Negócios, Consultoria & Projetos Ltda, de Rodrigo Pimentel, para seu pai, ‘sendo uma delas justificada como ‘consórcio’.

Ao analisar as operações com bovinos em 2018, verificou-se que Rodrigo declarou ao Fisco ter auferido receitas agropecuárias no valor total de R$ 163.014,54, tendo vendido 171 unidades de cabeça de gado no período. “Ocorre que, ao verificar as notas fiscais emitidas, constatou-se que Rodrigo emitiu 7 notas de venda de gado, no entanto, a única nota cujo recebimento não fora identificado foi a nota 1677248, que possui como destinatário o magistrado Sideni, no valor de R$ 59.850,00, do dia 23 de abril 2018, referente à venda de 63 cabeças de gado”, pontua o corregedor.

Também foram analisadas as notas fiscais emitidas em favor de Sideni, em razão do exercício de atividade pecuária, em cotejo com os valores movimentados em suas contas bancárias.

“Ao realizar o cruzamento dos valores identificados nas notas fiscais com as respectivas contrapartes e os valores identificados nos dados bancários das contas do desembargador que pudessem se relacionar com o pagamento das respectivas NFes, foi constatada pela autoridade policial uma diferença de R$ 885.846,95 pertinente ao excesso de Notas Fiscais em relação aos débitos em contas bancárias de Sideni Soncini Pimentel!“, diz a investigação.

Esse detalhe, pondera o ministro, evidencia que parte substancial das despesas pecuárias do magistrado ‘não foi quitada por meio de sua movimentação bancária, o que causou estranheza e levantou questionamentos sobre a forma como teriam sido pagas e sobre a origem dos recursos financeiros utilizados’.

Ainda segundo a PF, no ano-calendário de 2014, Sideni declarou ter recebido de seu filho, a ‘título de empréstimo’, a quantia de R$ 100 mil. “Ocorre que, ao analisar a movimentação bancária de RODRIGO, não foram identificados débitos correspondentes à quantia depositada, a evidenciar que o depósito de tais valores ocorreu em espécie”.

Da mesma forma, no ano-calendário de 2021, Sideni declarou ter realizado um aumento no empréstimo para sua filha Renata no valor de R$ 90 mil. A análise dos dados bancários disponíveis, diz a PF, mostra que ‘não foi constatada qualquer transação financeira que justificasse o alegado empréstimo firmado entre pai e filha, havendo a percepção de que tais declarações apenas se prestariam a justificar, em momento futuro, eventuais depósitos feitos por Renata Pimentel na conta bancária do próprio pai, caso houvesse questionamentos’.

Ainda, Sideni declarou no ano-calendário 2015 ter alienado dois imóveis e, através dessas negociações, teria adquirido cotas de capital social – em nome de sua mulher, Maria Aparecida Gonçalves Pimentel -, da empresa RGP & SHORP Holding e Participações Ltda no valor de R$ 657.449 cujos proprietários eram Rodrigo e sua mulher, Silvia Pimentel.

Segundo a PF, um ponto ‘digno de nota’ é que o desembargador não havia declarado esses dois imóveis no ano-calendário de 2014, ‘no entanto, no ano-calendário de 2015 o investigado declarou como se esses imóveis já estivessem em seu patrimônio no ano anterior, mesmo os bens não tendo constado em sua declaração de 2014’.

Segundo descrito no contrato social da empresa RGP & SHORP Holding, a mãe de Rodrigo ingressou na sociedade e, posteriormente, cedeu sem ônus sua parte para o filho e a nora, Silvia. “Não obstante, adentram na sociedade os filhos de Rodrigo e Silvia representados por seus pais, pois eram menores de idade à época. Por fim, restam na sociedade apenas os filhos, ficando na sociedade, no entanto, na qualidade de usufrutuários vitalícios, Rodrigo Pimentel e Silvia Pimentel.”

O exame de dados fiscais levou à identificação, nas Declarações de Operações Imobiliárias (DOI), da alienação de um imóvel de Renata para a RGP & SHORP pelo valor de R$ 120 mil, no dia 29 de novembro de 2017. “Destaca-se, ainda, que o valor base do ITBI deste imóvel era de R$ 271.638,56, bem maior do que aquele que fora declarado na alienação. Ocorre que, ao analisar as Declarações de Imposto de Renda de Renata, verificou-se, da mesma forma, que ela não declarou possuir previamente esse imóvel e tampouco informou sua alienação, havendo inequívoca ocultação, portanto, de bem imóvel em sua declaração de ajuste anual de imposto de renda”, segue o inquérito.

“Não foi possível identificar transação bancária da empresa de Rodrigo para Renata que justificasse tal negociação entre ambos”, diz o inquérito.

“Portanto, aparentemente, também há confusão patrimonial entre os indivíduos da família Pimentel, não sendo identificadas transações bancárias que pudessem justificar o trânsito patrimonial observado entre eles”, diz Mauro Campbell.

Veículos

O aprofundamento da análise das notas fiscais disponibilizadas pela Receita Federal e bancos de dados disponíveis, identificou veículos que constam como adquiridos por Renata Pimentel, mas que não foram informados em suas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda.

No total, foram aparentemente ocultados mais de R$ 4,1 milhões em carros por Renata, aponta o inquérito. Como a compra e venda de tais veículos não foi informada nas Declarações de IR Pessoa Física, ‘há a possibilidade de que tais bens tenham sido adquiridos com recursos em espécie, de origem desconhecida’.

Faz parte da frota uma Mercedes GLE 400, adquirida pelo valor de R$ 750 mil, um Fiat Strada por R$ 130 mil, uma BMW X1 de R$ 198 mil, uma Rand Rover Evoque por R$ 385 mil, uma Toyota Hilux de R$ 240 mil e, ainda, uma Amarok, por R$ 210 mil, entre outros.

No total, foram aparentemente ocultados mais de R$ 4,1 milhões em carros por Renata, aponta o inquérito
No total, foram aparentemente ocultados mais de R$ 4,1 milhões em carros por Renata, aponta o inquérito

Imóveis

A devassa patrimonial e nas contas dos advogados filhos do desembargador Sideni Soncini alcançou também as Declarações de Operações Imobiliárias (DOI) disponibilizadas pela Receita. Foram identificados cinco imóveis em que Renata Pimentel figurou como uma das partes na compra e venda, contudo, à semelhança dos automóveis não declarados, tais imóveis também não foram informados por ela em suas Declarações de Ajuste Anual de Imposto de Renda.

Aparentemente teriam sido ocultados por Renata mais de R$ 2,7 milhões em imóveis ‘havendo a percepção de que o valor real de tais bens possa ser consideravelmente maior, dada a comum discrepância entre os valores declarados ao Fisco e o efetivo valor de mercado de bens imobiliários’.

“Como a compra e venda de tais imóveis não foi informada nas declarações de ajuste anual de imposto de renda, há ainda a possibilidade de que tenham sido adquiridos com recursos em espécie, de origem desconhecida”, suspeita o corregedor Campbell.

Outra transação que chamou a atenção da PF foi realizada em 25 de maio de 2022, quando o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha enviou R$ 50 mil para Renata Pimentel, ‘ratificando a proximidade entre o advogado lobista, que comprovadamente se envolveu na negociação de decisões judiciais, com os filhos do desembargador Sideni Soncini’.

Para o corregedor, ‘o avanço das investigações evidenciou que a aludida transferência não possuía causa aparente’.

Em consonância com a constatação do julgamento cruzado de processos patrocinados pelos filhos do desembargador Vladimir Abreu pelo desembargador Sideni Soncini, ‘também foram constatadas operações financeiras que demandam esclarecimento’.

Durante a análise bancária a PF observou que Ana Carolina de Abreu, filha do desembargador Vladimir Abreu, fez um pagamento para Sideni no dia 16 de março de 2018 no valor de R$ 37 mil. No ano-calendário de 2018, os advogados Ana Carolina e Marcus Abreu, irmão dela, declararam despesas com atividade rural na Fazenda Cachoeira em Campo Grande.

As despesas declaradas por Ana totalizaram o valor de R$ 58.280,02 e sua participação no negócio era de 50%. A outra parcela de participação teria sido de seu irmão Marcus, conforme consta em sua declaração.

No ano-calendário de 2019, Ana e Marcus declararam despesas com atividade rural no módico valor de R$ 12.677,16. Além disso, anotaram um estoque inicial de apenas 100 cabeças de gado. “Portanto, é possível considerar que, caso as despesas do ano-calendário de 2018, no valor total entre os irmãos de R$ 117.160,04, tenham sido apenas pelo valor dos semoventes, o valor unitário gasto pela família seria de R$ 1.171,60.”

Na tentativa de identificar a origem do gado adquirido por Ana Carolina e seu irmão, após a análise das notas fiscais disponibilizadas pela Receita, os investigadores verificaram que Marcus Abreu declarou ter comprado as cabeças do desembargador Sideni Soncini.

Para justificar a operação foram emitidas cinco notas fiscais por Sideni para Marcus Abreu referentes à venda de gado. No total, a quantidade vendida pelo desembargador Sideni foi de 102 cabeças de gado, ‘exata e precisamente, a quantidade declarada por Marcus e Ana Carolina’. O valor total das notas fiscais bateu em R$ 112.467,04.

O relatório do corregedor Mauro Campbell ressalta, ainda, que a análise dos dados bancários de Marcus Abreu indica ‘pagamentos do investigado para Sideni Soncini no valor total de R$ 115 mil, entre 5 de março de 2018 e 22 de janeiro de 2019′.

A investigação constatou que a origem dos recursos financeiros que Marcus Abreu transferiu para Sideni foi a conta bancária do escritório Machado Abreu Advogados Associados.

No dia 5 de março de 2018, Marcus transferiu da conta de seu escritório Machado Abreu o valor de R$ 27 mil para sua conta pessoa física e, no mesmo dia, transferiu o valor de R$ 30 mil para Sideni.

Caminho do dinheiro

Percorrendo o caminho do dinheiro a PF notou que alguns dias antes de ser transferido o valor para Sideni foram identificados diversos depósitos de dinheiro em espécie com indícios de fracionamento na conta pessoa jurídica do escritório Machado Abreu.

Entre os dias 23 de fevereiro e 2 de março de 2018 foram recebidos nove depósitos no valor de R$ 2.000,00 e dois de R$ 1 mil, totalizando R$ 20 mil. No dia 7 de junho de 2018, Marcus Abreu transferiu R$ 23 mil de sua conta pessoa jurídica do escritório Machado Abreu para sua conta pessoa física e no mesmo dia repassou R$ 23 mil para Sideni.

O dossiê Campbell destaca que ‘ao percorrer o caminho do dinheiro, foi possível notar que alguns dias antes de ser transferido o valor para Sideni, também houve diversos depósitos de dinheiro em espécie com indícios de fracionamento na conta da pessoa jurídica do escritório Machado Abreu’.

“Entre os dias 28 de maio e 6 de junho de 2018 foram recebidos sete depósitos no valor de R$ 2 mil e um depósito de R$ 1 mil e um depósito de R$ 500,00, totalizando R$15.500 de depósitos em espécie”, registra o ministro.

A PF incluiu nos autos da Operação Ultima Ratio mais uma informação. Em análise aos dados bancários, verificou-se que Ana Carolina Abreu possui 150 depósitos em espécie em suas contas bancárias totalizando o valor de R$ 294.172,40 durante o período entre 28 de fevereiro de 2014 e 28 de novembro de 2023, ‘gerando indícios de que foram realizados para ocultação de sua origem, a qual pode ser ilícita, inclusive em razão dos fortes indícios de envolvimento em vendas de decisões judiciais’.

“No mesmo sentido, verificou-se que a conta bancária do escritório de advocacia Machado Abreu recebeu 471 depósitos em dinheiro, no período entre 3 de fevereiro de 2016 e 19 de outubro de 2023, totalizando R$ 1.012.165,28″, segueo relatório.

Segundo a PF, o desembargador Sideni julgou ao menos dois processos em que Marcus Abreu atuava como advogado nos anos de 2019 e 2020, ‘sendo no mínimo curiosa a desenvoltura com que o requerido houve por bem realizar negócios no ramo da pecuária com os advogados, ao mesmo tempo em que, na condição de desembargador, apreciava processos da família Abreu, que conforme dito, mantém escritório de advocacia no mesmo endereço do escritório de seus filhos’.

Os investigadores acentuam que as notas fiscais emitidas por Sideni Soncini, com o escopo de justificar as transferências bancárias recebidas do escritório Machado Abreu, aparentemente tiveram objetivo de ‘mascarar o efetivo recebimento de vantagem indevida por parte do desembargador, tendo em vista que, em período contemporâneo aos fatos, ele apreciou e julgou processos patrocinados pelos filhos de Vladimir Abreu, sendo certo que, aludidas transferências foram precedidas de depósitos em espécie de valores fracionados, o que representa inequívoco escopo de ocultamento, havendo dúvida fundada sobre a origem dos recursos empregados, dado o desuso do dinheiro em espécie como meio de pagamento’.

COM A PALAVRA, A DEFESA

A reportagem do Estadão pediu manifestação do desembargador Sideni Soncini Pimentel. O espaço permanece aberto para o magistrado (fausto.macedo@estadao.com).

O QUE O DESEMBARGADOR SIDENI SONCINI PIMENTEL ALEGOU AO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Em sua defesa prévia no âmbito de Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça, o desembargador Sideni Soncini Pimentel, insistiu no pedido de suspensão do feito sob o fundamento de que apesar da juntada de cópia dos autos da Operação Ultima Ratio, incluindo a quebra do sigilo bancário e fiscal, ‘não teve acesso à íntegra de todos os incidentes em que se desdobrou a investigação em andamento, notadamente, aos procedimentos que documentaram a requisição direta dos RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), as inúmeras petições apresentadas por terceiros interessados, e ao material apreendido com as diligências de busca e apreensão’, além de outros ítens.

Nas palavras da defesa. ‘(…) não se pode excluir o fato de que o acesso aos demais expedientes poderá auxiliar aos esclarecimentos devidos, seja pelo acesso a provas que corroborem a inocência do desembargador Sideni, seja pela necessidade de aferir a regularidade da investigação e dos atos praticados’.

No mérito, o magistrado sustentou ‘a ausência de elementos para corporificar a chamada justa causa, para a instauração de processo administrativo disciplinar em seu desfavor’.

A defesa alega que o expressivo patrimônio de Sideni decorreu do exercício de 43 anos ininterruptos de magistratura, e que ‘(…) jamais julgou qualquer caso em que seu filho ou filha tenham figurado como advogados ou representantes’.

Sobre o fato de ter apreciado ações manejadas por parentes advogados de outros desembargadores, notadamente, do desembargador Vladimir Abreu da Silva, cujos filhos dividem o mesmo endereço profissional com seus filhos, Sideni afirmou que ‘inexiste qualquer anormalidade em seu proceder, estando sua conduta amparada no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI n. 5.953/DF’.

Em relação ao julgamento atinente à Fazenda Paulicéia, em que teriam sido reunidos indícios da negociação de decisão judicial por parte do desembargador Vladimir Abreu, a defesa de Sideni diz que ele negou seguimento ao recurso especial interposto, ‘aplicando ao caso a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça’.

Com relação ao julgamento do recurso de apelação no processo n. 0102533-29.2007.8.12.0019, que envolvia a Fazenda Brazão II, sem questionar o conteúdo dos diálogos que indicavam o recebimento de vantagem indevida para a prolação de decisões judiciais, a defesa afirmou. “(…) A apelação foi julgada procedente por unanimidade pela Câmara Cível, cujo acórdão foi mantido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do ARESP 1.291.313, assim como a ação rescisória interposta em face do acórdão foi julgada improcedente pela 2ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul autos n. 140895-63.2018.8.120.0000, não havendo a constatação de qualquer erro ou teratologia no julgado (ID 5910892, pág. 08).”

Em relação aos processos da prefeitura de Dourados (MS) e aos processos de interesse do advogado Fábio Castro Leandro, filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro, a defesa de Soncini afirmou que ele ‘atuou de maneira hígida, sem qualquer conflito de interesses’.

Sobre um processo de interesse de Fábio Leandro, a defesa sustenta que Soncini ‘atuou apenas como segundo vogal, acompanhando o relator’.

Ainda, no tocante ao conflito de competência em que uma empresa litigava com o Banco do Brasil sobre a Fazenda Xerez, em uma demanda de R$ 34 milhões, afirmou que ‘sua decisão foi absolutamente banal, apenas reconhecendo a competência de um dos juízos e determinando o prosseguimento do feito’.

A defesa de Sideni requereu a revogação da decisão de seu afastamento, ‘em razão da suposta comprovação da ausência de qualquer atuação mediante desvio funcional, ao término das apurações preliminares’.

Ao pedir suspensão do prazo para apresentação de sua defesa prévia, argumentou que, apesar da juntada de cópia integral dos autos acima mencionados, ‘não teve acesso à integra de todos os incidentes em que se desdobrou a investigação em andamento, notadamente, aos procedimentos que documentaram a requisição direta dos RIFs, as inúmeras petições apresentadas por terceiros interessados, e ao material apreendido com as diligências de busca e apreensão, assim como ao pendrive e ao DVD referidos pela autoridade policial, e ao material baixado pelo Superior Tribunal de Justiça após as cautelares probatórias’.

No mérito, a defesa pontuou que ‘as ilações feitas pela autoridade policial são levianas e não correspondem à realidade’. Aduziu que ‘jamais julgou quaisquer processos em que seu filho ou filha tivessem figurado como advogados ou representantes’.

Segundo o desembargador nos demais processos em que proferiu decisões, cujos feitos eram patrocinados por filhos de seus colegas na Corte, ‘não foi constatada qualquer irregularidade, justificando cada uma das decisões proferidas nos seis processos indicados pela autoridade policial para requerer medidas cautelares probatórias em seu desfavor’.

Por fim, sustentou que seu patrimônio possui estreita correlação com mais de 43 anos de magistratura, ‘infirmando as supostas estranhezas apontadas pela autoridade policial para sustentar a ocorrência de fatos análogos aos delitos de corrupção passiva, formação de organização criminosa e lavagem de capitais’.

Sideni requereu o arquivamento da ação, sob o fundamento de que, ‘pela circunstância de ter solicitado sua aposentadoria voluntária, o feito teria perdido por completo seu objeto’.

COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS

A reportagem do Estadão pediu manifestação dos advogados Rodrigo Gonçalves Pimentel e Renata Gonçalves Pimentel, filhos do desembargador Sideni Soncini Pimentel. Também foi solicitado posicionamento dos advogados Ana Carolina Abreu e Marcus Abreu, filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva. O espaço está aberto (fausto.macedo@estadao.com)

 

 

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