Casa do Benin recebe o lançamento de Méjì, novo livro de Marcelo Ricardo
Texto e foto: Divulgação
No dia 12 de dezembro, às 18h, a Casa do Benin recebe o lançamento de Méjì, obra mais recente do pesquisador e artista da palavra Marcelo Ricardo, que aprofunda sua escrita na encruzilhada entre ancestralidade africana e poesia. O livro de poemas perambula por um pensamento bifurcado, tomando corpo, memória e história, e convocando seus leitores a encarar, como o autor, as palavras e seus múltiplos níveis de consciência que moldam o ser e o estar da pessoa negra no mundo. Na noite de lançamento, o autor conversa com a poeta Louise Queiroz sobre seu processo criativo.
Inspirado pelo princípio yorùbá, méjì é traduzido como o número “dois”, mas também reflete os valores filosóficos dos Odu Ifá como algo interminável em sua potência. “Para minha comunidade-terreiro, méjì é um estado espiritual de dupla influência de um mesmo orixá na guarda de um filho”, explica Marcelo Ricardo sobre a ancoragem na tradição e nos giros espiralares do tempo nagô.
“Conhecemos os orixás por diversas narrativas, e um mesmo orixá pode ter contextos, domínios, genealogias e aspectos distintos, que chamamos aqui de ‘qualidades’. Quando dois desses atributos incidem sobre uma pessoa, chamamos essa pessoa de méjì. Neste sentido, o segundo livro se apropria deste axioma como forma”, descreve.
Na teoria social negra do sociólogo norte-americano W.E.B. Du Bois, o autor defende que um “véu” separa pessoas negras das promessas de cidadania e liberdade, gerando a famosa “dupla consciência”. Ricardo amplia essa noção ao compreender que pessoas negras, em seus diversos territórios, vivem um desencaixe marcado pela herança escravista e por sucessivos desencontros históricos. Para o poeta, encontrar um sentido de mundo exige atravessar esse véu, e sua travessia passa pela experiência com o candomblé.
No seu livro de estreia, Aos Meus Homens (Editora Malê, 2021), Marcelo apresenta aos leitores experiências de afeto entre homens por uma perspectiva das comunidades-terreiro. Já em Méjì, o autor mantém os pés no chão do terreiro e avança com maturidade estética entrelaçada à cosmogonia que integra tempos e corpos. “Penso minha relação com a palavra como um compromisso com a minha ancestralidade. Para nós, pessoas de terreiro, a palavra é magia. Meus poemas testemunham como a gente se encanta e encanta o mundo com ela”, realça o poeta.
Literatura e Terreiro
A obra reúne poemas e textos em prosa poética, entre notas, cartas, crônicas, ensaios e outros formatos, configurando-se como dois livros em um. Descrita como uma obra sinestésica e multimodal por Henrique Freitas, professor titular do Instituto de Letras da UFBA, que assina o prefácio, Méjì convoca todos os sentidos para perceber o redor, movimenta saberes de terreiro e mantém um engajamento ético com forma e conteúdo.
“Eu aprendo a fazer poesia com as histórias que escuto em minha casa. Há muitas belezas nos ditos das mulheres negras que sustentam nossas tradições, na correria dos afazeres do dia a dia e para além das festas”, descreve o autor. Ao longo das páginas, a mancha gráfica se divide em duas, e escritos de diferentes formatos convocam quem lê para a dualidade que Marcelo engendra.
“O diálogo é achar caminhos entre o que se opõe e se sobrepõe, que se complementa ainda que antagônico. Tento flagrar o que precisa estar junto e, ao mesmo tempo, manter suas distinções”, afirma o artista da palavra. Os gestos ganham atenção na fotoperformance que apresenta o próprio autor, a musicalidade irrompe nos poemas e as texturas que compõem o projeto gráfico celebram as comunidades afro-diaspóricas.
Em Méjì, as tensões sociais não são evitadas. As marcas do genocídio e as estratégias da necropolítica são encaradas, seja pela recusa da patologização dos corpos soropositivos, seja pela liberação do otimismo negro que propõe a literatura como força vital. “Eu tento jogar com as palavras. Às vezes são muito próximas, cotidianas, narrativas; outras vezes, mastigadas, estilhaçadas, partidas. A palavra performa o desejo de achar alguma paz, um firmamento no que parece descontinuar”, evidencia.
Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem o apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo Bahia, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal, Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criado pela efetivação das ações emergências de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar n 195, de 8 de julho de 2022.
Serviço
Lançamento do livro Méjì, de Marcelo Ricardo em conversa com Louise Queiroz
QUANDO: 12 de dezembro, às 18h
ONDE: Casa do Benin (R. Pe Agostinho Gomes, 17 – Pelourinho, Salvador – BA)
Exemplares disponíveis no local
