PEC da Segurança: parecer prevê redução da maioridade penal, Estados fortes e itens do PL Antifacção
BRASÍLIA – O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública na Câmara, Mendonça Filho (União-PE), apresentou seu relatório com mudanças drásticas em relação ao texto original e uma espécie de mistura do projeto de lei antifacção em tramitação no Senado.
O relatório do deputado prevê brecha para reduzir a maioridade penal, endurecimento penal contra faccionados e blindagem dos Estados contra a influência da União para direcionar políticas públicas – na contramão do proposto pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

A votação do parecer na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado foi adiada para a semana que vem por um pedido de vista. Até lá, o governo Lula deve articular para recuperar parte do projeto original que foi desidratado.
A PEC apresentada pelo Ministério da Justiça no começo do ano reforçava a garantia de que Estados não perderiam autonomia no combate ao crime, para se precaver das críticas dos governadores contrários à iniciativa. Mas não foi suficiente, e as intervenções de Mendonça Filho trazem ainda mais fortalecimento aos Estados.
A versão original ampliava as atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF), rebatizada como Polícia Viária Federal, e da Polícia Federal no combate ao crime e incluía na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e os fundos nacionais de financiamento do setor.
Maioridade penal
Mendonça Filho desfez várias das mudanças do governo Lula e entrou numa seara que o projeto original não versava. O deputado propõe, por exemplo, um referendo a ser feito durante as eleições municipais de 2028 para a população decidir sobre a redução da maioridade penal para 16 anos – hoje ela é de 18 anos. A mudança valeria para casos de crimes cometidos “com violência ou grave ameaça à pessoa”.
Mix do PL Antifacção
A PEC incorpora o espírito do projeto de lei antifacção, cuja versão original também foi elaborada pelo ministério, ao criar uma nova categoria penal de “organização criminosa de alta periculosidade”, incluindo facções e milícias, que teriam um regime penal mais rigoroso.
Diferente da PEC, que trata de questões mais estruturantes para dar segurança constitucional para os entes e corporações agirem, o projeto de lei versa sobre mudanças nas legislações penais para aprimorar o combate ao crime de forma prática.
Há a previsão, por exemplo, de sanções mais graves e regime legal especial para lideranças dessas organizações criminosas. Crimes cometidos com “violência ou grave ameaça” também receberiam tratamento mais duro. Esses criminosos deverão ficar em presídios de segurança máxima.
O texto também dificulta a progressão de regime e de realização de acordos de não persecução penal para essas pessoas. E prevê a cassação dos direitos políticos na prisão provisória (ou cautelar), isto é, aquela feita antes da condenação final.
Estados versus União
Se a PEC de Lewandowski fortalecia a União para ajudar os Estados a combater o crime, com a ampliação das atribuições da PF e da PRF para alcançar facções, milícias e crimes ambientais, agora o texto vai na direção contrária.
Mendonça Filho tirou da proposta a previsão da Polícia Viária Federal (a PRF volta a seu nome original) e a competência privativa da União sobre segurança pública e defesa social; restando ao governo federal legislar sobre a atividade de inteligência.
A nova versão, em vez de competir à União e outros entes “manter” a segurança, prevê que eles vão “prover os meios necessários à manutenção”, sinalizando financiamento, e não execução, das políticas públicas de segurança.
O projeto prevê que cada ente federativo vai ter seus próprios conselhos e políticas – outra crítica dos governadores, que não queriam um conselho federal elaborando diretrizes para a segurança pública nacional, ainda que não fosse obrigatório segui-las.
Mendonça também deu facilidade aos Estados para criarem forças-tarefas “intergovernamentais e interinstitucionais” e organizarem o sistema socioeducativo sem a participação do governo federal.
O deputado reforçou o aspecto de cooperação e de atuação integrada entre os entes para se blindar de subordinação federal ao redigir que a segurança pública é exercida “por meio da atuação integrada e descentralizada”.
Força ao Congresso Nacional
O relatório confere competência exclusiva do Congresso Nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público que “exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”.
Também cria poderes para o Parlamento “fiscalizar e controlar” a atividade de inteligência, esta de atribuição do Poder Executivo. Em contrapartida, prevê que o governo federal vai ser responsável pela política nacional de inteligência.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal também ganham força contra o Conselho Nacional do Ministério Público, ao proibir o órgão de adotar “quaisquer medidas que atentem contra as competências do Congresso Nacional”.
GCMs versus polícias municipais
O relatório rebatiza das Guardas Civis Municipais (GCM) como polícias municipais comunitárias e regulamenta as corporações. Limita, por exemplo, a criação das polícias municipais a cidades médias e grandes (população superior a 100 mil habitantes) e impede a criação de forças municipais de segurança paralelas à polícia municipal.
Fundos
O texto de Mendonça Filho prevê um enfraquecimento do governo federal na destinação de recursos para a segurança. O relatório vincula o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional a eventuais políticas de segurança estaduais, e não necessariamente diretrizes federais, e obriga o pagamento de 50% dos recursos, retirando o condicionamento a pré-requisitos.
Hoje, por exemplo, o orçamento transferido do FNSP aos Estados deve ser usado para custear políticas para segurança pública, com base em critérios definidos pelo governo federal. As prioridades devem ser a redução de homicídios, combate ao crime organizado, defesa patrimonial, enfrentamento à violência contra a mulher e melhoria da qualidade de vida das forças de segurança.
Administrado pelo Ministério da Justiça, o dinheiro do fundo deve ser destinado a programas de reequipamento, treinamento e qualificação das Polícias Civis e Militares, Corpos de Bombeiros e Guardas Municipais, sistemas de informações, de inteligência e investigação, modernização da Polícia Técnica e Científica e programas de policiamento comunitário e de prevenção ao delito e à violência.
SUSP
O relatório mantém o espírito da PEC ao constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública, “destinado a assegurar a eficiência da prevenção e persecução penal”.
As principais balizas previstas para o sistema são a atuação em forças-tarefas com previsão da participação do Ministério Público, a interoperabilidade de sistemas e o compartilhamento de informações, dados e estatísticas criminais.
