Motta desagrada da esquerda à direita e tenta se equilibrar sob ataque de Lira
BRASÍLIA – Alvo de críticas da esquerda à direita, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está inconformado com a saraivada de ataques na sua direção. Em conversas com aliados, nos últimos dias, ele chegou a se emocionar ao dizer que nunca esperava passar por tanta turbulência no comando da Câmara, cargo que ocupa há apenas dez meses.
Agora, até mesmo o deputado Arthur Lira (PP-AL), padrinho político de Motta, deixou escapar que está decepcionado com a atuação de seu afilhado. A operação da Polícia Federal sobre emendas parlamentares, nesta sexta-feira, 12, agravou a crise envolvendo o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
As diligências foram autorizadas pelo ministro do STF Flávio Dino, que determinou busca, apreensão e quebra de sigilo da servidora Mariângela Fialek. Conhecida como Tuca, Mariângela sempre foi braço direito de Lira, atuando sob suas ordens quando ele presidia a Câmara, e hoje é assessora da liderança do PP.

O estresse na Praça dos Três Poderes ocorre em um momento de desgaste de Motta, que não esconde a revolta com os tiros vindos do Planalto, do PT e de bolsonaristas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também vive uma fase de atritos com o governo e o STF, mas diz ter “couro duro”.
O PT e outros partidos de esquerda, além de movimentos sociais e artistas, convocaram manifestações de rua para este domingo, em todo o País, contra a aprovação do projeto de lei que reduz as penas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro.
“Vamos devolver o Congresso para o povo”, anuncia um dos cards postados nas redes sociais pelo cantor Caetano Veloso, chamando para a mobilização.
A proposta que beneficia Bolsonaro passou pelo crivo da Câmara em uma tumultuada sessão, na madrugada de quarta-feira, 10, e seguiu para o Senado. Na véspera, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) havia sentado na cadeira de Motta para protestar contra a ameaça de cassação por ter chutado um militante do Movimento Brasil Livre (MBL). Foi retirado de lá à força. Parlamentares e jornalistas foram agredidos.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), chegou a pedir a renúncia de Motta. “Vossa Excelência está perdendo as condições de continuar na presidência dessa Casa”, disse o petista da tribuna, olhando para o colega.
Ao Estadão, Lindbergh afirmou que Motta cria “armadilhas” para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Cada semana é uma surpresa: foi assim quando ele pautou a votação para derrubar o decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), a urgência para a anistia, a PEC da Blindagem e ao deixar caducar a Medida Provisória que taxava bancos e fintechs”, observou.
Para o deputado, Motta tem uma “atuação sistemática” contra o governo. “Sem combinar com ninguém, ele ainda chamou o Derrite (Guilherme Derrite, que era secretário da Segurança no governo de Tarcísio Freitas) para ser relator do projeto antifacção e, não satisfeito, jogou essa proposta de anistia envergonhada a golpistas”, descreveu. Procurado, Motta não respondeu às críticas.
Na quarta-feira, um acordo de última hora construído pelo governo com o PSD salvou Glauber da “degola”, embora seu mandato tenha sido suspenso por seis meses. Em troca da não cassação, a esquerda prometeu apoiar a candidatura do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), ao Palácio Guanabara, em 2026.
Lula entrou nas articulações políticas e ligou para Glauber, logo após o resultado que o livrou da sentença de morte política. Pouco depois, no entanto, Arthur Lira foi visto ao telefone, muito irritado com o interlocutor do outro lado da linha.
Desafeto de Glauber, Lira queria a cassação do deputado, que sempre o associou à montagem do orçamento secreto de emendas. Expoente do Centrão, o ex-presidente da Câmara culpou Motta pelo fracasso naquela votação. Não foi só: admitiu a aliados, depois, que estava desanimado com o sucessor e apelou para a necessidade de um “freio de arrumação” na Câmara.
Na outra ponta, integrantes do PL – partido de Bolsonaro – também se queixaram de Motta. Três políticos da sigla disseram ao Estadão que ele traiu o ex-presidente, a quem havia prometido apoio à anistia quando era candidato ao comando da Câmara.
“Hugo está tentando fazer um jogo de conciliação, mas vem sendo mal-compreendido. Com isso, ele apanha da direita, da esquerda e do governo”, resumiu o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). “Aconteceu até um fato inusitado: os dois lados comemoraram as votações no plenário (que livraram Glauber e Carla Zambelli) e depois saíram falando mal dele”.
No caso de Zambelli, já condenada, o STF anulou a decisão tomada pelos parlamentares e determinou a sua imediata cassação. Foi outro revés para o presidente da Câmara, que ficou mal na foto.
Hugo está tentando fazer o jogo da conciliação, mas vem sendo mal-compreendido. Aconteceu até um fato inusitado: os dois lados comemoraram as votações no plenário e depois saíram falando mal dele
Danilo Forte, deputado do União Brasil
Há no Planalto o receio de que essa indisposição com Motta – aliada à fúria de Alcolumbre e Lira – acabe provocando impacto negativo sobre a agenda econômica. Alcolumbre até hoje não aceitou o fato de Lula ter preterido o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao indicar o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, para compor o STF.
Líderes de partidos também têm se queixado do atraso no pagamento das emendas, hoje sob a mira do STF, às vésperas do ano eleitoral.
O governo precisa que o Congresso aprove o projeto de redução dos benefícios fiscais e até a proposta de Orçamento. Sem o corte de gastos tributários faltarão R$ 20 bilhões para fechar as contas de 2026.
“Sempre defendo o Congresso como expressão da democracia, mas as Casas optaram por uma agenda extremamente impopular, que gera instabilidade institucional. Uma agenda de confronto político”, argumentou o presidente do PT, Edinho Silva.
No diagnóstico do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o principal problema, porém, é a degradação do ambiente no Congresso. “É claro que muitas vezes a culpa de tudo cai no presidente da Casa, mas o fato é que o nível aqui dentro está muito deteriorado. O princípio da lacração virou a regra geral”, constatou.
Guimarães propôs uma espécie de pacto de boa convivência. “Eu acho que, independentemente de ser governo ou oposição, as cabeças lúcidas do país deveriam parar e pensar: O que vamos fazer desse plenário que tantas vezes foi o bastião da luta contra a ditadura e hoje é só esculhambação?”, perguntou ele, enquanto deputados do PL e do MDB trocavam insultos a poucos metros de uma escultura em bronze. Era de Ulysses Guimarães.
