Biblioteca de Alexandria: a primeira universidade da história
A antiga Biblioteca de Alexandria aproximava-se notavelmente do que atualmente entendemos por uma universidade. O corpo administrativo era composto de gestores, pesquisadores e docentes, além de uma ampla estrutura, distribuída em dormitórios, refeitórios, salas de aula e espaços dedicados à investigação. Por sua organização e influência, faz sentido considerá-la como a primeira universidade da história. A destruição da Biblioteca, ocorrida ao longo dos séculos, representou uma das maiores perdas culturais da humanidade.
Esse templo do saber erguido às margens do Mediterrâneo no século III a.C., reunia centenas de milhares de rolos de papiros e pergaminhos e tinha como ambição reunir todo o conhecimento produzido pelo ser humano. Era frequentada por sábios, filósofos, poetas e matemáticos que muito contribuíram para moldar o pensamento clássico helenístico.
Ptolomeu I, general e sucessor de Alexandre Magno, que reinou no Egito, esteve associado à fundação da Biblioteca e teria trazido Euclides de Atenas para Alexandria. Foi ali, por volta de 300 a.C., que o mestre produziu sua obra monumental, Os Elementos, um compêndio considerado por George Simmons como o livro de maior influência sobre a mente humana depois da Bíblia, atravessando milênios em mais de mil edições desde a invenção da imprensa.
Euclides distinguiu-se pela clareza didática e pela rara habilidade de sistematizar e axiomatizar o pensamento matemático. Conta-se que um exemplar em papiro de Os Elementos chegou às mãos de Ptolomeu I, esperançoso de compreender com facilidade os teoremas, axiomas e postulados. Ao desenrolá-lo, o rei teria perguntado a Euclides se não haveria um caminho mais suave para aprender Geometria. Lacônico, o sábio respondeu: “Majestade, não há estrada real para a Geometria”. Assim, a lição permanece: o aprendizado matemático não é florido nem pavimentado; é árido e pedregoso, exigindo disciplina e esforço pessoal.
Aplicando princípios geométricos simples de proporção entre ângulos e arcos da circunferência, Eratóstenes (matemático, astrônomo, geógrafo, poeta e então diretor da Biblioteca) demonstrou, por volta de 250 a.C., a esfericidade da Terra e calculou, com engenhosidade e notável precisão para época, o perímetro do planeta. Em um dos rolos de papiro, encontrou o registro de que, na cidade de Assuã — chamada Syene na Antiguidade —, ao meio-dia do solstício de verão (21 de junho, o dia mais longo do ano no Hemisfério Norte), o Sol ficava exatamente a pino, iluminando as águas profundas de um poço. Entretanto, o geômetra observou que, no mesmo dia e horário, as colunas verticais da cidade de Alexandria projetavam uma sombra perfeitamente mensurável.
No solstício seguinte, Eratóstenes mandou instalar uma grande estaca em Alexandria. Ao meio-dia, enquanto o Sol iluminava as profundezas do poço em Syene (formando um ângulo de 90° com a superfície da Terra), ele simultaneamente mediu em Alexandria o ângulo da sombra (θ = 7,2°), equivalente a 1/50 de uma circunferência completa. Concluiu, portanto, que o comprimento do meridiano terrestre deveria corresponder a 50 vezes a distância entre Alexandria e Syene.
Com base nesses cálculos, Eratóstenes estimou que o perímetro da Terra seria de aproximadamente 46.250 km. Embora hoje saibamos que a medida correta é 40.075 km, um erro de cerca de 15% (elevado para os padrões atuais) torna-se plenamente compreensível diante dos métodos rudimentares de medição da época. Além disso, duas outras razões contribuíram para essa diferença: 1) as duas cidades não se encontram exatamente no mesmo meridiano (há cerca de 3° de diferença); 2) a distância entre elas era estimada por meios bastante imprecisos, o que influenciou significativamente o resultado.
Eratóstenes não alcançou o posto de maioral em matemática, razão pela qual recebeu a alcunha de “Beta” (a segunda letra do alfabeto grego), título que reconhecia seu valor, mas insinuava a existência de um “Alfa” acima dele. Aos 82 anos, já cego e consciente do ocaso da vida, recusou-se a alimentar-se e morreu de inanição. O “Alfa” foi contemporâneo de Eratóstenes e celebrado pelos antigos com o epíteto de “Grande Geômetra”: Apolônio de Perga (c. 262–190 a.C.) também lecionou em Alexandria. Seu tratado As Cônicas, composto de oito livros — dos quais sete chegaram até nós — exerceu profunda influência sobre Ptolomeu, Newton, Kepler e Galileu. A propósito, Leibniz observou com propriedade: “Quem entende Arquimedes e Apolônio, admirará menos as realizações dos homens mais célebres em épocas posteriores”.
Supõe-se que Arquimedes também tenha estudado, em sua juventude, na Biblioteca de Alexandria. Dotado de uma genialidade como físico e matemático comparável apenas à de Newton e de Einstein, retornou mais tarde a Siracusa, na Sicília (cidade que, em 212 a.C., seria tomada pelas legiões romanas, dando início a pilhagens e a uma sangrenta matança). Segundo uma das versões de sua morte, um soldado encontrou o sábio, então com 75 anos, absorto em traçar diagramas na areia, indiferente ao massacre ao redor. Interpelado, teria murmurado: “Não perturbes os meus círculos”. Enraivecido, o soldado o trespassou com a espada, e assim teriam sido pronunciadas as últimas palavras de Arquimedes.
Hiparco, por sua vez, considerado um dos maiores astrônomos da Antiguidade, atuou principalmente na Ilha de Rodes, onde instalou um observatório. Por volta de 135 a.C., elaborou o primeiro catálogo estelar conhecido, registrando cerca de 850 estrelas e classificando-as por magnitude aparente numa escala de 1 a 6. Dialogou intensamente com o ambiente intelectual helenístico e acredita-se que também estivesse ligado à Biblioteca de Alexandria.
Cláudio Ptolomeu (c. 100–170 d.C.), astrônomo, matemático e geógrafo, trabalhou na Biblioteca e deixou contribuições duradouras. Em sua obra Geographia, sistematizou o uso de coordenadas geográficas e métodos de projeção cartográfica, lançando bases para o sistema de latitude e longitude que seria aperfeiçoado séculos depois. Catalogou aproximadamente 6.000 localidades (cidades, rios e pontos de referência) e seus mapas influenciaram fortemente a cartografia medieval e renascentista.
No século XV, após a circulação de traduções de sua obra, os mapas ptolomaicos tornaram-se referência para navegadores europeus, influenciando inclusive Cristóvão Colombo no planejamento de sua travessia rumo às Américas.
Neste artigo, concentrei-me em alguns dos grandes gênios que atuaram na Biblioteca de Alexandria, como Euclides, Eratóstenes, Apolônio de Perga, Hiparco e Cláudio Ptolomeu, figuras que se destacaram sobretudo nas áreas da Matemática e da Astronomia. É evidente, contudo, que a célebre instituição abrigou também médicos, poetas, historiadores e artistas, cujas contribuições foram igualmente notáveis. A opção por privilegiar o campo matemático não pretende reduzir a riqueza da Biblioteca, mas oferecer um recorte temático que evidencia como, por meio da ciência dos números e das formas, ergueram-se pilares fundamentais para o desenvolvimento do pensamento humano. Como uma universidade, a Biblioteca era constituída de departamentos, na época denominado de Escola de Geometria, cujo primeiro diretor foi Euclides. E, em reverência a tantos gênios que nos antecederam, cabem as palavras de Isaac Newton (1643–1727): “Se pude enxergar mais longe, foi porque me apoiei sobre ombros de gigantes”.
A História das Ciências revela que formulações inicialmente frágeis e difusas percorrem um longo e árduo caminho até alcançar plena maturidade. A cada geração, novos degraus se erguem sobre a estrutura anterior e, assim, a humanidade avança, passo a passo, na construção do conhecimento. Nos dias atuais, contudo, proliferam versões fantasiosas e inverdades revestidas de forte apelo emocional, muitas vezes associadas a valores positivos, razão pela qual raramente suspeitamos de sua inverossimilhança. Ao redigir este artigo, mesmo apoiado em fontes confiáveis, deparei-me com relatos divergentes. Portanto, é possível que o leitor encontre narrativas distintas das aqui apresentadas, reflexo da complexidade e da riqueza da tradição histórica, sempre marcada por múltiplas vozes, interpretações e perspectivas.
