O ‘não’ de Crisóstomo e o que isto tem a ver com a nossa democracia
Tempos atrás listei aqui dez casos de censura no Brasil recente. Hoje trato apenas de um. Um caso simbólico do País que vamos nos tornando. O foco da vez é Thomas Crisóstomo, jovem advogado pernambucano.
Em uma tarde qualquer do Recife, ele postou na rede que “a EBC virou cabide de emprego para a mulher do ex-presidiário Lula”. Há outras críticas ácidas e não entro no mérito. Perto da onda de palavrões e escatologia que vejo todo dia, nos comentários digitais, ele soa algo angelical. Cada um pode julgar.

Uma incrível engrenagem de censura estatal se pôs em marcha. Ministro da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público. Tempo precioso de agentes públicos que ao invés de tratar do PCC se dedicam a coletar postagens de um cidadão, no Instagram.
Finalmente, uma denúncia do MP por ofensa à “honra” do presidente. Razão principal: chamar o presidente de “ex-presidiário”. Logo ele que de fato ficou preso por 580 dias, se é que isto ainda não foi decretado como um fato “incomentável” em nossa pujante democracia.
Um acordo foi proposto a Crisóstomo e ele disse “não”. “Não acredito”, disse ele, “que um cidadão comum criticar o governo seja crime”. A frase resume muito do que define uma república. Mas o essencial é o gesto.
Diante do Estado, do medo, ele diz “não”. Quando leio sobre isto, uma longa história me vem à cabeça. Do “não” de Rosa Parks quando o motorista pediu que ela se levantasse e fosse para o “seu lugar” naquele ônibus, em Montgomery, nos anos 50. Lembro de Zola se recusando a engolir aquela farsa contra Dreyfus.
Há “nãos” imensos, como estes, na história da liberdade, e recusas simples, com a de Crisóstomo. E algo em comum, nessas histórias: um direito é agredido e o cidadão recusa sua obediência. O sentido público de tudo isso é simples: se a sua frase trivial for um crime, há milhões de criminosos, neste exato momento, na barafunda digital.
Se ele de fato for punido, todos seremos punidos. Pelo fato simples de que teremos que imaginar o que pode ser ofensivo para alguma autoridade antes de criticar qualquer coisa, nas redes.
E se você acha que isto está bem saiba que se um presidente que você não gosta se eleger, à frente, e você resolver chamá-lo de “fascista” ou quem sabe até de “ex-presidiário”, está autorizando o Ministro da Justiça a acionar a Polícia Federal contra você. Porque não se trata de punir um cidadão, mas de chancelar uma regra sobre nossos direitos. Não acho que desejamos viver em um País deste tipo.
Este caso mostra algo sombrio em nossa democracia. Que a intolerância ande hoje espalhada por aí é algo fora do nosso controle. Mas que ela se converta em política de Estado, no Brasil, é algo que definitivamente não podemos aceitar.
De modo que sugiro acompanharmos este caso. Em um País em que todos estamos sendo treinados para abaixar a cabeça, um cidadão comum, lá do Recife, se recusou. E apenas por isto, neste quase final de ano, seu gesto merece nosso respeito.
