22 de dezembro de 2025
Politica

Anos temáticos não salvam geleiras

O Ano Internacional da Preservação das Geleiras, proclamado pela ONU para 2025, chega ao fim sem entregar o que prometeu. O objetivo era claro. Conscientizar, gerar ação política e contribuir para a redução do ritmo acelerado de derretimento do gelo no planeta. Estamos em dezembro e o balanço é duro. As geleiras continuam desaparecendo, as emissões seguem altas e as decisões políticas evitaram, mais uma vez, enfrentar a raiz do problema.

Como pesquisadora antártica, sei exatamente o que significa perder gelo. Não é uma abstração distante. É impacto direto nas regiões polares, no nível do mar, nos oceanos e, sim, no Brasil. As mudanças que nós cientistas observamos na Antártica hoje afetam correntes oceânicas, padrões climáticos e eventos extremos que já sentimos no nosso território. Os dados científicos divulgados ao longo de 2025 não deixam espaço para otimismo. Sob os atuais planos de (não) ação climática dos governos, cerca de 3 mil geleiras devem desaparecer por ano a partir de 2040, mantendo esse ritmo até 2060. Ao final do século, aproximadamente 80% das geleiras existentes hoje terão desaparecido. O Ártico registrou o ano mais quente desde o início dos registros, com temperaturas 1,60°C acima da média recente.

O Ano das Geleiras produziu comunicados institucionais, eventos pontuais e relatórios robustos, mas teve baixa repercussão na mídia e quase nenhuma tradução em políticas públicas concretas. O Dia Mundial das Geleiras, por exemplo, instituído em 21 de março de 2025, passou despercebido por grande parte da sociedade, inclusive por profissionais da área ambiental, sem gerar compromissos vinculantes ou mudanças estruturais.

Estive na COP30 e vi isso de perto. As discussões sobre a criosfera existiram. Estavam nos estandes, nas apresentações técnicas e nos dados reais de derretimento apresentados por pesquisadores do mundo inteiro. Falava-se de perdas irreversíveis, de colapso de sistemas glaciais e de impactos em cascata no clima global. O problema é que essas discussões não chegaram aos políticos. Ficaram restritas ao espaço da ciência, longe das mesas onde decisões são tomadas.

Na COP30, onde a criosfera deveria ter sido tratada como eixo central da estabilidade climática global, as geleiras tiveram pouca visibilidade no documento final. O documento oficial evitou enfrentar o ponto mais sensível e mais importante. A redução real do uso de combustíveis fósseis. Falar em preservar gelo sem enfrentar petróleo, carvão e gás é ignorar a física básica do aquecimento global.

O caso da Argentina escancara ainda mais esse fracasso. Em pleno Ano Internacional da Preservação das Geleiras, surgiram propostas para flexibilizar a “Ley 26.639”, uma das legislações mais importantes de proteção de glaciares e zonas periglaciais da América Latina, fundamentais para a segurança hídrica do país. A tentativa de abrir exceções para exploração mineral em áreas glaciais está gerando forte reação social, mas revela uma contradição inaceitável.

É por isso que defendo que o conhecimento faz a sociedade passar a entender o problema, a se indignar e, principalmente, a cobrar políticas públicas eficazes. Sem pressão social, não há decisão política corajosa. E sem decisão política, não há gelo que resista.

Também é a educação que nos faz compreender algo essencial. As nossas ações aqui no Brasil afetam diretamente as geleiras da Antártica, mesmo que elas pareçam distantes. E como presidente do Instituto Gelo na Bagagem, acredito profundamente na força da educação ambiental e da conscientização.

O Ano Internacional das Geleiras não foi inútil como registro histórico. Ele documentou, com dados robustos, que sabemos exatamente o que está acontecendo. Mas falhou em seu propósito central. Não freou o degelo, não fortaleceu a proteção legal das geleiras e não promoveu mudanças estruturais no modelo energético global.

Ao final de 2025, a conclusão é desconfortável, mas necessária. Anos temáticos não salvam geleiras. Campanhas não resfriam o planeta. Sem metas obrigatórias, fiscalização efetiva e redução real do uso de combustíveis fósseis, o gelo continuará sendo a primeira grande vítima da inação climática. O Ano das Geleiras acabou. O derretimento, não.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *