Presidencialismo congressual ou coalizão mal gerenciada?
A crítica ao presidencialismo de coalizão brasileiro ganhou novo nome: presidencialismo congressual. Para alguns analistas, trata-se de uma anomalia institucional que teria tornado o País ingovernável e mergulhado o sistema político em crise permanente.
Esse diagnóstico parte da premissa de que o Legislativo passou a exercer controle excessivo sobre o orçamento público. De fato, as Emendas Constitucionais 86 e 100 — que tornaram, respectivamente, as emendas individuais e de bancada impositivas —, além da EC 105, que autorizou transferências diretas a entes subnacionais sem convênios com o governo federal (as chamadas “emendas Pix”), ampliaram significativamente a autonomia política dos parlamentares frente ao Executivo.
Diante disso, alguns sugerem que não valeria mais a pena ocupar um ministério, já que os recursos controlados via emendas seriam suficientes para garantir a sobrevivência eleitoral de qualquer deputado. Mas essa conclusão é precipitada. Um simples exercício contrafactual enfraquece o argumento: se o presidente Lula tivesse hoje alta popularidade e baixa taxa de desaprovação, seria plausível imaginar que um deputado da base aliada recusaria um convite para chefiar, ainda que um ministério periférico?

Não houve, afinal, mudanças estruturais nos mecanismos institucionais que sustentam o presidencialismo multipartidário. O maior controle orçamentário por parte do Legislativo inflacionou o custo do jogo político, mas não o inviabilizou. O Executivo enfrenta, sim, mais restrições para montar e manter sua coalizão. Mas está longe de estar impedido de fazê-lo. Prova disso são as novas moedas de troca acionadas pelo Planalto — algumas, inclusive, consideradas inconstitucionais pelo STF, como as emendas de relator do “orçamento secreto”.
Em pesquisa recente, realizada em parceria com Rodrigo Bandeira de Mello (Bentley University), demonstramos, por exemplo, que a alocação de recursos do BNDES tem sido mais uma ferramenta estratégica de gestão de coalizões no sistema presidencialista multipartidário brasileiro. Utilizando um desenho de regressão descontínua com base em eleições municipais acirradas no Brasil e em decisões de concessão de crédito do BNDES, mostramos que municípios governados por prefeitos da coalizão governista recebem condições de empréstimo significativamente mais favoráveis. No entanto, esses mecanismos de “ganhos-de-troca” se traduzem em maior apoio legislativo ao presidente apenas quando os benefícios são direcionados a municípios comandados por prefeitos do mesmo partido do legislador federal.
Ou seja, além das emendas dos parlamentares e da distribuição ministerial, o Executivo possui um verdadeiro arsenal de ferramentas de formação e de manutenção de maiorias.
Além disso, o próprio conceito de “presidencialismo congressual” é problemático. Que tipo de presidencialismo de coalizão não seria, por definição, congressual? Seus defensores ignoram as evidências acumuladas pela ciência política brasileira: para governar bem, o presidente precisa formar coalizões enxutas, com aliados ideologicamente próximos, e distribuir poder e recursos de forma proporcional à força política dos partidos no Legislativo.
Esse não foi o caminho escolhido pelo atual governo. O PT — como é de sua tradição — optou por uma coalizão ampla, com 16 partidos e forte heterogeneidade ideológica, mesmo com a redução da fragmentação partidária como resultado das reformas de 2017. Hoje, controla 22 dos 39 ministérios. Enquanto isso, seus principais parceiros — PSD, União Brasil e MDB —, com bancadas de tamanho comparável à do PT, ficaram com, no máximo, três pastas cada.
Portanto, são pelas escolhas de montagem e de gerência da coalizão, e não por um suposto excesso de protagonismo do Congresso no orçamento federal, que a supermaioria governista não tem se traduzido em maiorias legislativas substantivas, coesas e disciplinadas.