Medida da Câmara a favor de Bolsonaro é inconstitucional e terá reação do STF, dizem especialistas
Entre o final da tarde e a noite desta quarta-feira, 7, a Câmara aprovou um projeto de resolução que suspende a ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e outros 33 réus por atos golpistas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Embora Ramagem esteja protegido por uma prerrogativa constitucional, a resolução aprovada, no que diz respeito aos outros réus, é inconstitucional e deverá ter resposta dos ministros do STF, avaliam especialistas em Direito ouvidos pelo Estadão.
Os deputados se basearam em uma emenda constitucional de 2001, que diz: “Recebida a denúncia contra o senador ou deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”.

Segundo o doutor em processo penal pela USP e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Renato Stanziola Vieira, a interpretação que os deputados tentaram emplacar é a de que todos os réus da ação penal, já que se trata de uma só, seriam beneficiados. No entanto, a lei protege exclusivamente um parlamentar em exercício de mandato, podendo ser prorrogada caso seja reeleito, e não se estende a outras pessoas sem a prerrogativa de função.
Já há uma tendência no Supremo, conforme mostrou o Estadão, que nem mesmo Ramagem se livre da ação penal, já que os ministros consideram que a iniciativa extrapola o que está previsto na legislação e, por isso, não vão cumprir a decisão.
Para Stanziola, a medida aprovada pelos deputados tem desvio de finalidade e, na tentativa de livrar Bolsonaro de responder pelos supostos crimes, também mira constranger o Supremo. “Os deputados, com o interesse de proteger seus colegas acusados do cometimento de golpe de Estado, estão fazendo todas as medidas, inclusive ilegais, para barrar o processo em curso”, disse, citando também a ofensiva a favor da anistia pelos atos de 8 de Janeiro na Câmara.
A tentativa política de provocar um atrito com o Supremo, segundo o especialista, viria na negativa da Corte em aceitar a decisão dos deputados. Como se trata de um caso novo, o STF poderia agir de ofício, ou seja, assim que tomar conhecimento sobre a decisão dos deputados, ou somente se for provocado por meio de um instrumento jurídico.
Uma possibilidade seria por meio de uma “reclamação”, para preservação da sua competência e garantia de autoridade das suas decisões, avalia o coordenador do curso de Direito da ESPM, Marcelo Crespo. O Estadão apurou que o Tribunal aguarda ser comunicado oficialmente para responder e que a resposta será nos autos do processo.
Segundo o professor, há ainda uma brecha para a interpretação do Supremo de que a conduta de “contribuir para a arquitetura” de um golpe de Estado não seja abrangida pela previsão legal, uma vez que ela protege os deputados e senadores, civil e penalmente, por quaisquer “opiniões, palavras e votos”, com o intuito de exercer livremente o mandato.
“Essa pode ser uma interpretação do Supremo na medida em que a ação penal contra Ramagem não dizia respeito apenas e tão somente ao que ele falou, mas o que ele fez”, afirmou.
Conforme apurou o Estadão, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, deve suspender a tramitação apenas em relação aos crimes de dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado, cometidos após a diplomação de Ramagem, e relacionados aos atos de vandalismo do 8 de janeiro de 2023.