Aprovação de texto que barra ação contra Ramagem é recado de Motta ao STF e governo, dizem líderes
BRASÍLIA – Integrantes do Centrão e até aliados do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que o recado da votação no plenário da Câmara nesta quarta-feira, 7, que sustou a ação penal que envolve o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), foram, especialmente, uma sinalização do descontentamento do grupo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Palácio do Planalto, além de um aviso de que a Casa está disposta a defender suas prerrogativas parlamentares.
A votação também serviu como um aceno ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), já que o resultado foi anunciado no mesmo dia em que o ex-chefe do Executivo realizou uma manifestação em Brasília ao lado de aliados pedindo pela anistia aos presos do 8 de Janeiro.
A aprovação do documento apresentado pelo PL para salvar Ramagem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara chegou a ser comemorada durante o ato pelo pastor Silas Malafaia.

Poucas horas depois da aprovação na CCJ, Motta decidiu votar o texto em plenário, de modo a assegurar a aprovação ainda na quarta-feira. A perspectiva de vitória na votação convenceu Motta, aliados e a oposição de que o projeto aprovado não precisava passar por adequações.
A reunião que definiu a aprovação da sustação da ação penal reuniu líderes e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ocorreu na semana passada. Motta já tinha conhecimento do relatório de Alfredo Gaspar (União-AL), com o texto amplo de modo a poder beneficiar Bolsonaro. Pessoas que participaram desse encontro relatam que o resultado era certo, mas o roteiro não estava previsto.
Integrantes do PDT – agora independente em relação ao governo – relatam que chegaram a procurar o presidente da Câmara para falar que deputados da sigla poderiam até votar a favor do procedimento caso estivesse limitado apenas à situação do deputado do PL, por entenderem que pode ter havido excessos com Ramagem. Isso não ocorreu.
Na visão de pedetistas, líderes e outros integrantes da Casa ouvidos pelo Estadão, a vitória já estava certa e, se a ação fosse de fato restringida apenas a Ramagem, o resultado seria acachapante e passaria dos 400 votos favoráveis.
Líderes dizem que aprovar a sustação do processo era um ato de “proteção da Câmara” frente às sucessivas queixas da Casa em relação à liberação de emendas e ao que alguns dos deputados dizem ser uma sobreposição dos Poderes, com o Supremo hierarquicamente superior ao Congresso.
Sobre o governo, deputados repetem as queixas que perduram desde meados de 2023: o contato com a base é inconsistente, a articulação é fraca e Lula dialoga pouco com os parlamentares. Alguns veem tentativa do presidente de melhorar a relação ao se aproximar de líderes, outros deputados, entretanto, se queixam que Lula conversa apenas com o “altíssimo clero”, o que provoca insatisfações.
Reservadamente, um líder apresentou um diagnóstico de um relacionamento exaurido da Câmara com o Planalto. A impressão na Casa hoje, segundo ele, é que nada avança no Legislativo: as emendas não saem e a agenda de reforma do governo não vai para frente.
Para outros líderes, a sensação é que o governo nem sequer atuou para impedir a votação sobre a ação penal e, quando os líderes do PT, Lindbergh Farias (RJ), e do governo, José Guimarães (PT-CE), apareceram no plenário para contestar a proposta foi mais para não deixar o barco navegar sozinho.
O texto de Alfredo Gaspar diz que a Constituição estabelece que pode ser trancada uma “ação penal”, sem fazer restrição a outros denunciados. Já os governistas sustentam que essa interpretação está errada e que o projeto aprovado não deve ser respeitado pelo STF.
Ao discursar na tribuna, Lindbergh Farias disse que a intenção da oposição era livrar Bolsonaro e os outros denunciados dos julgamentos do STF.
A proposta foi aprovada com amplo apoio dos partidos do Centrão e da oposição. Foram 315 a favor e 143 contrários ao texto. Mas a última palavra deve ser do STF que já deu indicações de que não vai acatar a decisão dos deputados.
Na Corte, ministros do STF avaliam que a Câmara extrapolou o que está previsto na legislação. Neste momento, líderes do Centrão dizem não ter uma contrarreação em mente caso a Corte reaja e rejeite a medida aprovada pela Casa.
O deputado Patrus Ananias (PT-MG), que acompanhou a votação desde a CCJ, afirmou que foi “um dia pesado” e que parte da estratégia da oposição é provocar mais desgaste com o STF.
“Eu acho que eles estão tentando desgastar essa relação (com o Supremo), mas isso também gera desgaste para eles, porque mostra a ligação com a tentativa de golpe”, argumentou.