3 de julho de 2025
Politica

Teias do poder: oclocracia, democracia e a luta cultural

A desmistificação de conceitos políticos, como oclocracia e democracia, exige questionar narrativas estabelecidas, ecoando a humildade de Sócrates: “Só sei que nada sei.” A democracia, idealizada por Tocqueville como o sistema mais próximo da liberdade, é vulnerável à oclocracia — o governo das emoções e da manipulação. Clifford Geertz via a cultura como teias de significação tecidas pelo homem, mas na oclocracia, essas teias são distorcidas por propaganda e desinformação, minando a participação racional. Exemplos históricos, como a Alemanha dos anos 1930, mostram como a retórica emocional nazista destruiu a democracia de Weimar, enquanto Hannah Arendt alertava que a propaganda mobiliza, não convence.

A Venezuela pós-1998, sob Chávez, ilustra a oclocracia em ação: a polarização e o controle midiático esvaziaram a democracia, transformando-a em autoritarismo. Pierre Bourdieu descreveria isso como violência simbólica, que legitima narrativas simplistas. Nesse contexto, Antonio Gramsci, inspirado por Marx, oferece uma lente crucial com sua teoria da hegemonia cultural. Ele escreveu nos Cadernos do Cárcere que a conquista cultural precede o poder político, defendendo a educação e a comunicação como ferramentas de transformação. Contudo, sua estratégia, embora emancipatória, pode ser cooptada por dinâmicas eclocráticas, como visto no fascismo italiano, que usou a cultura para unificar emocionalmente a nação.

Na contemporaneidade, o Brasil reflete ecos de Gramsci em narrativas polarizadas que opõem “povo” a “elites”, alimentando a oclocracia via mídias sociais. Jürgen Habermas enfatiza que a democracia depende de uma esfera pública racional, mas emoções manipuladas a fragilizam. Críticos como Gary North questionam o “marxismo cultural” como invenção, mas a hegemonia cultural de Gramsci permanece uma ferramenta analítica poderosa, revelando a cultura como campo de disputa, conforme apontava Marshall Sahlins.

A oclocracia também se manifesta em contextos onde a tecnologia amplifica emoções descontroladas, como nas dinâmicas das redes sociais. Nos Estados Unidos, a eleição presidencial de 2016 revelou como narrativas polarizadas, impulsionadas por desinformação, moldaram a opinião pública. A análise de Shoshana Zuboff sobre o “capitalismo de vigilância” ilustra como algoritmos exploram dados para manipular emoções, criando bolhas informativas que fragilizam a esfera pública descrita por Habermas. Esse fenômeno, que ecoa a propaganda analisada por Arendt, transforma o debate democrático em um campo de batalha emocional, onde a razão é frequentemente sufocada por likes, compartilhamentos e indignação fabricada.

Outro exemplo marcante é a ascensão do populismo na Hungria sob Viktor Orbán, onde a democracia foi corroída por uma oclocracia disfarçada de soberania popular. Orbán manipulou a cultura nacionalista, utilizando os meios de comunicação para consolidar uma hegemonia cultural, no sentido gramsciano, que marginaliza vozes dissidentes. Como Bourdieu apontaria, essa violência simbólica legitima o poder ao naturalizar narrativas de “nós contra eles”. A estratégia de Orbán demonstra que a oclocracia não surge apenas da desordem, mas pode ser orquestrada por líderes que exploram a cultura como ferramenta de controle, minando a participação racional e a pluralidade democrática.

Na África do Sul pós-apartheid, a luta por igualdade enfrentou desafios semelhantes, com populismos que exploram desigualdades históricas para mobilizar emocionalmente as massas. A teoria de Gramsci sobre a hegemonia cultural ajuda a entender como movimentos políticos, embora prometam emancipação, podem resvalar para a oclocracia ao priorizar a retórica inflamada em detrimento do diálogo. Como Marshall Sahlins sugeria, a cultura é um campo de significados disputados, e a democracia exige que esses significados sejam construídos com responsabilidade. Proteger a democracia, portanto, envolve resistir à sedução da oclocracia, promovendo uma esfera pública onde a razão e a participação consciente prevaleçam, como defendia Arendt.

A aplicação de Gramsci, porém, exige cuidado: a luta cultural pode reforçar a oclocracia se priorizar a mobilização emocional ao diálogo. Desmistificar esses conceitos é resistir à manipulação e fortalecer a democracia pela razão e participação consciente. Como Arendt dizia, o poder surge quando agimos juntos, mas se dissipa na dispersão. Que possamos, com clareza, rejeitar divisões e construir uma sociedade democrática autêntica.

Questionar é o caminho para a sabedoria, como Sócrates nos ensinou. A oclocracia ameaça a democracia ao explorar emoções, enquanto a hegemonia cultural de Gramsci nos lembra que a cultura é um campo de opressão e libertação. Cabe a nós desmistificar narrativas, fortalecer a razão e agir coletivamente para preservar a democracia contra a manipulação.

 

 

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