16 de agosto de 2025
Politica

Quando uma autodeclarada luta antirracista cai em simplismos indefensáveis

A miscigenação brasileira não é uma questão de interpretação sociológica. É hoje uma conclusão científica, conforme o estudo sobre o DNA da nossa população realizado por pesquisadores da USP, a partir de análises do genoma completo de 2,7 mil pessoas. Nossa ancestralidade média, portanto, é 58,9% europeia, 27,2% africana, 13,3% indígena e 0,54% asiática. Depois de tudo que sofremos e superamos com relação à Covid, tem sido melhor dar fé às conclusões científicas – mesmo que provisórias.

Pesquisa revelou mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até então
Pesquisa revelou mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até então

Uma coisa é a genética. Outros são os fenótipos que podem perpetuar práticas racistas. De qualquer maneira, nos dias de hoje, não faz sentido falar em existência de raças. Os dados, de alguma forma, decepcionaram quem ataca o conceito de miscigenação. Ainda mais quem defende uma espécie de concepção racialista da sociedade brasileira, como o homem branco essencialmente mal e dominador, a perpetuar eternamente o racismo brasileiro. Esse homem “branco”, praticamente não existe.

Mas daí se desdobrou uma hipótese ainda mais radical (e perversa). Apesar de não ser exatamente original. Como, conforme o levantamento, as linhagens paternas são, proporcionalmente, mais europeias, e as maternas mais indígenas e africanas, chegou-se à conclusão de que nós seríamos uma nação fruto da violência sexual. “Impressionante esse dado que mostra como a miscigenação foi majoritariamente de homens europeus e mulheres africanas e indígenas. Somos, mesmo, todos descendentes do estupro”, afirmou a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, em suas redes sociais.

Que as relações entre casais possam ser em parte explicadas por uma questão de poder, de tradição, ou mesmo de coerção, restam poucas dúvidas. Mas o movimento redutor da antropóloga se deve a uma tentativa de manter uma visão maniqueísta da nossa sociedade. Não dá espaço para ter havido relações consensuais na nossa história. Ela tenta amarrar uma história tão complexa como a nossa numa camisa de força que caiba em suas concepções teóricas.

A história da humanidade é em boa parte a história da escravidão, praticada por praticamente qualquer civilização em todos os continentes. Na América, os escravos foram os africanos, de cor de pele preta. Muitas vezes, vieram para cá prisioneiros de guerras entre tribos locais, vendidos para traficantes portugueses. Não é uma história bonita ou edificante. A trajetória humana não cabe nos exigentes padrões de moralidade dos intelectuais urbanos do século 21.

Mas, na prática, o efeito político de posições como a de Lilia Schwarcz é colocar uma nódoa em toda a população miscigenada brasileira – que é sua absoluta maioria. Além de não trazer dados empíricos para sustentar uma tese tão geral, mostra uma visão sem generosidade com o nosso povo. Na lógica das redes sociais, fez uma afirmação para ofender, para causar. O próprio brasileiro, em sua maioria, se vê como miscigenado, para horror de parte da militância que comunga com as noções de Scwharcz.

Tentam condenar moralmente a população brasileira e não conseguem admitir que – muito além de estupros e violência, que com certeza ocorreram – também somos resultados de milhões e milhões de relações consentidas de pessoas com ancestralidades diversas. A ponto de que hoje, até mesmo falar de qual raça ou etnia pertencemos, perdeu o sentido. Somos de todas, portanto, de nenhuma. Isso talvez seja uma excelente notícia.

 

 

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