PEC dá mais autonomia para guardas municipais; o que muda na segurança, segundo especialistas
RIO – O Senado aprovou nesta terça-feira, 27, proposta de emenda constitucional que inclui as guardas municipais e os agentes de trânsito entre os órgãos de segurança pública. Especialistas em segurança pública ouvidos pelo Estadão divergem sobre a eficácia do projeto em análise no Congresso Nacional no combate à criminalidade e na redução da impunidade.
O texto autoriza os municípios a criarem guardas ou polícias municipais com a função de proteger bens, serviços e instalações da cidade. As guardas também ganham o direito de fazer policiamento ostensivo local e comunitário e podem atuar em colaboração com os demais órgãos de segurança pública. O projeto, agora, será analisado pela Câmara.

Para a antropóloga e professora de Segurança Pública Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o texto em análise não cria, efetivamente, uma estrutura de segurança com atribuições delimitadas e integrada a um sistema de segurança pública.
“Vamos continuar sem sistema de segurança pública e sem sistema policial. A lógica que tem presidido as propostas é do poder de polícia, de polícias mais fortes do que os entes federados. Invertendo a estrutura federativa da República e democrática do País, as propostas até o presente, desde 1988 para cá, todas elas, não criaram um sistema de segurança pública, com competências exclusivas de cada ente federado, partilhadas entre os entes federados e redundantes”, explicou.
Segundo Jacqueline, ao não definir, de maneira clara, as competências exclusivas e partilhadas dos entes, “as burocracias armadas, a guarda municipal, as polícias estaduais e federais se tornam mais fortes que qualquer governo eleito”.
“Então, o que acontece, desde 1988, que é uma reprodução da Constituição autoritária de 1967, é que se definiu monopólios de policiamento, mas não se definiu, de maneira clara, as competências exclusivas e partilhadas dos entes. Nós não fizemos uma repactuação federativa e seguimos não fazendo com a PEC nem com essa proposta do Senado. O que nós fazemos é um ajuntamento. É, na verdade, nada mais do que ampliar o poder de polícia”, afirmou.
A professora Joana Monteiro, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape), concorda que é preciso discutir a delimitação de atribuições de cada entidade, mas destaca que as guardas municipais podem se tornar uma “solução interessante para as grandes cidades brasileiras” que precisam de um nível de patrulhamento mais alto.
“Deveríamos estar discutindo qual vai ser exatamente sua função. E o grande buraco que tem nesse momento é que está se dando uma permissão para a polícia operar, que eu acho que é uma oportunidade para as grandes cidades. Só que tem um buraco aí de como será essa complementação, quem faz o que. Isso só vai virar uma oportunidade, dependendo de como os municípios levarem a sério isso e se for feito um trabalho técnico por trás para de como alocar essas forças”, disse.
Para a professora da FGV, a falta de delimitação de atribuições pode causar um “desperdício ou falta de esforços” e, por isso, seria necessário parametrizar o papel de cada força.
“É bom você parametrizar para ter claro o papel de cada um, mas é importante dizer que são poucas as polícias militares que tem uma um efetivo considerável envolvido em policiamento preventivo. O que que é policiamento preventivo? Você estar na rua, independentemente de alguém ter chamado. Eu vejo uma oportunidade para as guardas suprirem esse papel, mas isso tem que estar definido em algum lugar”, afirmou.

‘O problema é não estabelecer as competências claras’
Para Jacqueline Muniz, esse é o principal problema do projeto: não estabelecer as competências claras entre a polícia e a guarda municipal.
“O problema não está em conceder à guarda municipal a atribuição de policiamento ostensivo, porque isso ela já faz, desde que ela nasceu. O problema é não estabelecer as competências claras entre a polícia e guarda municipal”, disse.
Segundo a antropóloga, a medida atende a uma necessidade política de prefeitos e das próprias entidades de segurança em dar uma resposta no âmbito da segurança pública.
“Qual é a mensagem que está se mandando para a sociedade? Que as polícias são mais fortes. No fundo, está se criando partidos policiais. As polícias são mais fortes que a estrutura de governo, que a estrutura de Estado. Portanto, a polícia é mais forte que o ente federado, o que faz com que governadores, presidente da República e prefeitos sejam ventríloquos e animadores de auditório, ou seja, não sejam capazes de comandar as suas polícias, como diz a Constituição”, complementou.