A proeza do governo Lula é fazer o PIB e a desaprovação subirem ao mesmo tempo
O bom senso, a intuição, os meios de comunicação, a classe política e mesmo os manuais de ciência político-econômica costumavam ser categóricos na tese de que crescimento na economia, na renda, gera bem-estar na sociedade. A consequência imediata é a subida da popularidade do governante de plantão. Não tem funcionado mais. Maio, um mês com divulgação de alta do PIB e geração de empregos, foi também de subida de desaprovação do Lula, que atinge 53,7%, segundo pesquisa Latam Pulse, da AtlasIntel/Bloomberg, divulgada nesta sexta-feira. E, pior, de acordo com o levantamento, o presidente Lula perde em segundo turno para o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em uma eventual disputa, em 2026, à presidência da República por 45,1% a 48,9%.
Os apressados de sempre irão dizer que a culpa é da comunicação. Tudo bem, já que o profissional da comunicação é pago para ser o responsável. De fato, as notícias não são favoráveis. Elevação do déficit. Crise com o Congresso. Roubo de aposentados do INSS. Receio de que o governo em breve não terá mais recursos para pagar suas contas e por isso, desesperadamente, aumenta impostos que atingem a classe produtiva. Declarações sem propósito do presidente Lula, que num ataque de soberba resolveu brincar de Deus no Nordeste brasileiro.

Mas já houve outros momentos do Brasil, principalmente durante o segundo mandato do governo Lula, em que o crescimento econômico empurrado pelo boom das commodities parecia tornar o presidente imune a qualquer crise política. Mais que isso. Tudo o que Lula dissesse, mesmo que fosse um tremendo lugar-comum, era sempre elevado à condição de sabedoria milenar. Havia até os bajuladores que apontavam o “carisma magnético” do presidente como a principal causa da aprovação do governo. Agora há um certo 2014 feelings no ar, ano precedente da grande crise do governo Dilma, que sempre negou a gravidade do problema. Quem apontava os riscos, à época, era tachado de “pessimildo” ou coisa muito pior.
Os números de 2025 não são tão exuberantes como em 2010. A inflação de alimentos está aí a irritar a população. Mas é possível apontar algumas mudanças estruturais da sociedade brasileira que impedem o PIB de se transformar em aprovação. A começar, se você destrinchar os dados, verá que a pujança da economia está concentrada em um setor, o agropecuário. Uma área que, apesar da força, é vista com desconfiança pelo petismo e vice-versa. Ou seja, o País avança de maneira desigual dentro do grupo econômico comandado pela oposição. A indústria, por sua vez, segue paralisada.
Há também toda a ideologia da prosperidade, um dos traços do crescente segmento evangélico brasileiro, que considera o avanço econômico um mérito pessoal e não do governo. Há uma forte organização da direita à sociedade em não permitir que os eventuais trunfos econômicos sejam vistos como benesses do governo.
O petismo não consegue mais encaixar o discurso oficial de que, se há alguma sensação de avanço, é por decisões tomadas no Palácio do Planalto. Aliás, inclusive, quais seriam essas decisões já que o setor que “carrega” a aceleração econômica é muitas vezes visto como inimigo? Seus representantes, digamos, culturais, como cantores sertanejos, influencers do Centro-Oeste, ainda são vistos com desprezo por certa elite brasileira que ainda aperta 13 nas urnas. Não há mais espaço para acuar a oposição na retórica com termos como “pessimildo” e correlatos. A organização do outro lado da trincheira é muito maior.
A tese é que mais do que um problema de comunicação, ou mesmo os receios em relação ao futuro, há uma desconexão muito grande dos valores entre o governo e parte expressiva da sociedade, que conversa horizontalmente por meio das redes sociais, não se impactam mais com qualquer comunicação de cima para baixo. E isso vai para temas como segurança pública, religião, livre iniciativa, direito, minorias, meio-ambiente numa lista crescente. Mais do que preocupação com as crianças, a obsessão por controlar as redes tem a ver com a nostalgia de tempos que não voltam mais.
Nessas circunstâncias, a aprovação do governo se dá principalmente nos bolsões que recebem grande ajuda do Estado. Ou que é paga pelo Estado. A desaprovação no restante do País. A minoria indecisa que irá decidir as eleições, segundo a pesquisa Atlas, neste momento, tende a pender para Tarcísio, assim como foi com Bolsonaro em 2018 e Lula em 2022. Certamente escolherá o lado que menos irritá-lo até a chegada das eleições.