Momentos que não voltam nunca mais
Sempre que estou em Washington, me hospedo em um hotel localizado junto à Casa Branca. O local é muito requisitado, pois está próximo da sede do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização dos Estados Americanos (OEA), de dezenas de órgãos do governo americano e de embaixadas de vários países.
Ali, naqueles quarteirões centrais de Washington, são tomadas decisões políticas e econômicas que influenciam a vida de boa parte do planeta. Basta lembrar da enxurrada de decretos proferidos pelo presidente Donald Trump e sua repercussão nos quatro cantos do mundo.
Outro dia, fui tomar café da manhã em uma recém-inaugurada Le Pain Quotidien, nas proximidades do hotel. Trata-se de uma rede com mais de 200 restaurantes em vários países, que se autodenomina como padaria/restaurante. Fundado na Bélgica, em 1990, o LPQ tenta reproduzir a atmosfera de uma autêntica padaria belga. A comida não é nada demais, mas gostei do astral do local. O ambiente é rústico e acolhedor. Além das mesas comuns a todos os restaurantes, há vários recantos aconchegantes, com mesinhas e poltronas de couro. Entretanto, a marca registrada do LPQ é uma enorme mesa central, que eles chamam de “mesa comunitária”. No site, prometem que essa mesa serve como “ponto de encontro para novas e significativas interações”.
A ideia é louvável, mas a tentativa de conectar estranhos, nos dias de hoje, me parece um tanto ambiciosa — para não dizer utópica. As pessoas vivem grudadas nas suas telas e, quando sozinhas, muitas usam fones de ouvido. Ou seja, não estão nem aí para fazer novos amigos. Eu mesmo tenho o hábito de escutar os jornais diários através do meu AirPod — aquela coisinha branca que usamos enterrada nos ouvidos. Faço isso há anos, sempre que estou sozinho: no carro, no avião ou em lugares como o LPQ de Washington. Portanto, não acredito nessas iniciativas.
Prova disso é a foto que ilustra este texto. Trata-se da mesa comunitária do LPQ. Sentei-me próximo a um rapaz de seus trinta e poucos anos. Ele estava mergulhado no tablet (da foto) e usava seus AirPods. De repente, percebi que ele não estava mais ali. Havia terminado o café da manhã e saído da mesa. Porém, seu tablet ficou ali, abandonado. Logo pensei que ele havia ido ao banheiro. Porém, mesmo estando em Washington — um dos lugares mais seguros do planeta —, seria muito desprendimento deixar o tablet dando sopa.
Ocorre que ele não voltava para a mesa. Passaram-se 10, 15, 20 minutos… e nada. Decidi falar com a gerente da loja. Disse a ela que, provavelmente, o tablet havia sido esquecido. No outro dia, quando fui novamente tomar meu café no LPQ, a gerente me disse que ele havia voltado horas depois, desesperado, atrás do tablet. Ficou aliviado ao saber que ela havia guardado o precioso objeto.
Fiquei pensativo: onde será que aquele rapaz andava com a cabeça? Na realidade, a pergunta é retórica — e serve para cada um de nós. Onde andamos com as nossas cabeças? Participamos de dezenas de grupos de WhatsApp, assistimos a feeds infinitos no Instagram, acompanhamos sites de notícias que são atualizados a cada minuto… e por aí vai.
Podemos não chegar ao ponto de deixar para trás um tablet no restaurante, mas, certamente, estamos deixando para trás momentos preciosos de nossas vidas. Momentos com nossos filhos, com nossos amigos ou, simplesmente, na companhia de um bom livro. Momentos que, definitivamente, não voltam nunca mais.