O modelo Tríade da Integridade: uma abordagem sistêmica para o combate à corrupção no Brasil
A corrupção no Brasil configura-se como um fenômeno complexo e arraigado, cujos efeitos deletérios transcendem o desvio de recursos públicos, alcançando a própria fibra do tecido social e democrático. Ela corrói a confiança dos cidadãos nas instituições, distorce prioridades de investimento, encarece serviços essenciais e perpetua desigualdades, representando um obstáculo fundamental ao desenvolvimento pleno do país. A persistência desse quadro, evidenciada por avaliações internacionais que situam o Brasil em posições preocupantes, demonstra a insuficiência de medidas paliativas ou fragmentadas para enfrentar um problema de natureza sistêmica.
Nesse contexto, emerge a proposta de um modelo conceitual-prático intitulado Tríade da Integridade, concebido para superar as limitações das abordagens fragmentadas. Este modelo parte de uma premissa central: o combate efetivo e sustentável à corrupção não reside na força isolada de um único pilar, mas na sinergia resultante da interação dinâmica e do reforço mútuo entre três componentes essenciais e interdependentes. São eles: a Transparência Fiscal Efetiva (Pilar 1), as Instituições Democráticas Robustas (Pilar 2) e o Engajamento Cidadão Qualificado (Pilar 3). A articulação consciente e o desenvolvimento conjunto desses três elementos formam a base de uma estratégia mais abrangente e resiliente.
Pilar 1: Transparência Fiscal Efetiva – Informação que Gera Ação
A transparência sobre as finanças públicas é crucial, mas não basta apenas disponibilizar dados. O Brasil avançou com ferramentas como o Portal da Transparência e leis como a LAI (Lei de Acesso à Informação). No entanto, a efetividade exige que a informação seja acessível, compreensível e oportuna para o cidadão comum. Iniciativas como o “Orçamento Cidadão” buscam essa clareza, mas avaliações mostram que, apesar da alta disponibilidade formal de dados, o uso efetivo pela sociedade ainda é baixo. A existência de mecanismos que geram opacidade, como o “Orçamento Secreto”, também mostra que a transparência formal pode ser contornada. O foco deve ser, portanto, em transformar dados em informação compreensível e capacitar a sociedade para seu uso.
Pilar 2: Instituições Democráticas Robustas – Garantindo a Responsabilização
Órgãos de controle (como o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral de União), Judiciário, Ministério Público e Legislativo são fundamentais para processar informações, investigar e punir desvios. Assim, são essas Instituições Democráticas Robustas que transformam a transparência e as demandas sociais em accountability. O Brasil possui esse arcabouço, mas enfrenta desafios como a necessidade de maior capacidade e coordenação entre os órgãos de controle, a morosidade processual no Judiciário e a efetividade da fiscalização legislativa. O fortalecimento contínuo, integrado e que assegure a independência dessas instituições é vital.
Pilar 3: Engajamento Cidadão Qualificado – O Controle Social Ativo
A participação ativa da sociedade no monitoramento do governo é um pilar democrático. Existem mecanismos como Conselhos de Políticas Públicas e plataformas digitais, mas a participação efetiva ainda é um desafio, muitas vezes limitada pela falta de qualificação técnica ou pela desigualdade no acesso. O modelo enfatiza a necessidade de um engajamento qualificado, investindo em capacitação cívica e fiscal e apoiando modelos estruturados e eficazes de controle social, como os Observatórios Sociais do Brasil, que demonstram resultados concretos no monitoramento da gestão local.
A Dinâmica da Sinergia entre os Três Pilares
A inovação central da Tríade reside na sinergia: os pilares se potencializam mutuamente. A transparência (Pilar 1) alimenta um engajamento cidadão qualificado (Pilar 3), que por sua vez demanda ações de instituições robustas (Pilar 2). Quando essa engrenagem funciona, o accountability se torna efetivo. Estudos empíricos corroboram que a transparência é mais eficaz contra a corrupção em democracias maduras, onde as instituições e a participação funcionam.
Exemplos de Sinergia (ou Falta Dela):
- O sucesso dos Observatórios Sociais do Brasil resulta da combinação de dados públicos (Pilar 1), cidadãos capacitados (Pilar 3) e pressão sobre instituições locais (Pilar 2).
- O “Orçamento Secreto” ilustra a falha: a falta de transparência (Pilar 1) impediu o controle institucional (Pilar 2) e social (Pilar 3).
- A morosidade judicial (Pilar 2) pode anular os efeitos da transparência (Pilar 1) e desestimular o engajamento (Pilar 3).
Considerações Finais
O modelo Tríade da Integridade oferece uma perspectiva holística para enfrentar o desafio da corrupção. O ponto nevrálgico é que o progresso sustentável neste campo não advém da implementação isolada de ferramentas ou reformas pontuais, mas sim da articulação consciente e do fortalecimento recíproco entre transparência fiscal que seja efetivamente compreensível e utilizável, instituições democráticas que operem com capacidade e responsividade, e uma participação cidadã que seja qualificada e impactante. Essa interdependência funcional é a chave para transformar a disponibilidade de informações e os mecanismos de controle em responsabilização efetiva.
Desta forma, o Tríade da Integridade propõe uma mudança fundamental de foco: da mera existência formal de instrumentos de controle e participação para a sua efetividade prática no dia a dia da gestão pública e da interação entre Estado e sociedade. Trata-se de ir além da conformidade legal e buscar resultados concretos em termos de integridade. Ao promover o desenvolvimento conjunto e a interação sinérgica dos três pilares, busca-se fomentar um ecossistema de integridade, um ambiente onde os avanços em uma área catalisam e sustentam progressos nas demais, tornando o sistema como um todo mais resiliente a práticas corruptas e mais adaptável a novos desafios.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica