16 de agosto de 2025
Politica

Juíza manda peritos avaliarem estado mental de juiz que criou identidade de nobre inglês

A Justiça de São Paulo determinou que o juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis passe por uma avaliação psiquiátrica. O magistrado se apresentava como descendente da nobreza britânica e viveu 45 anos sob a falsa identidade de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield – nome com o qual exerceu a magistratura por 22 anos.

A pedido da defesa, a juíza Julia Martinez Alonso de Almeida Alvim, da 29.ª Vara Criminal de São Paulo, determinou a instauração do chamado “incidente de insanidade”. Júlia Alvim suspendeu a ação penal até conclusão dos exames. 

Por meio desse procedimento, peritos analisam a saúde mental do réu. Com isso, ele pode ser declarado inimputável no processo em que responde por uso de documento falso e falsidade ideológica.

Os advogados juntaram ao processo um laudo com diagnóstico de Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE). O TPE compõe o agrupamento dos chamados transtornos excêntricos. É caracterizado por distanciamento e desinteresse generalizado por relacionamentos interpessoais.

Segundo o laudo, “houve perda da capacidade de autodeterminação desde o momento da decisão pela mudança do nome até os dias atuais, embora mantivesse preservada a capacidade de entendimento em relação ao ato”.

Em sua decisão, a magistrada afirma que há “dúvida razoável a respeito da higidez mental do acusado” e de sua “plena capacidade e imputabilidade”.

“É o caso de instauração do incidente requerido para avaliação médica do réu, eis se trata de questão técnica, de cunho pericial, que somente pode ser apurada no processo penal por meio de incidente próprio”, justificou a juíza.

Ministério Público de São Paulo foi contra a avaliação. O órgão chamou o transtorno de “seletivo” e argumentou que o juiz “manteve meticulosamente o domínio sobre as duas identidades, com documentação renovada de ambas”.

A defesa tentou um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) – instrumento jurídico em que o réu confessa o crime e se compromete a cumprir uma série de cláusulas, como o pagamento de multa e a prestação de serviços comunitários, para não responder ao processo criminal. O Ministério Público rejeitou.

O advogado Alberto Zacharias Toron, que defende o juiz, também pediu a absolvição sumária, o que também foi negado. A juíza considerou que “há prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria quanto à suposta prática dos crimes que lhe foram imputados na denúncia, o que, ao menos por ora, é o bastante para viabilizar a justa causa para a ação penal”.

Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield
Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield

Dupla identidade

Edward Wickfield é na verdade José Eduardo Franco dos Reis, um cidadão de Águas da Prata, no interior de São Paulo, filho de José dos Reis e Vitalina Franco dos Reis.

A persona teria sido assumida pelo magistrado pouco antes da graduação. Ele se formou na prestigiosa Faculdade de Direito da USP, no Largo do São Francisco. Depois disso, prestou concurso e atuou décadas como juiz sob a identidade falsa.

A fraude foi descoberta em outubro de 2024, quando ele esteve no Poupatempo da Sé para pedir a segunda vida da carteira de identidade. Foram encontrados dois registros diferentes associados às mesmas digitais. A divergência só foi percebida porque os registros do Instituto de Identificação Ricardo Gumblenton Daunt (IIRGD) haviam sido digitalizados.

De acordo com a denúncia do Ministério Público de São Paulo, no dia 19 de setembro de 1980, José Eduardo teria comparecido a um posto de identificação da Polícia Civil e tirado o documento em nome de Edward Wickfield. Para tanto, segundo a Promotoria, apresentou um certificado falso de reservista do Exército, um documento que dizia ser ele servidor do Ministério Público do Trabalho, uma carteira de trabalho e um título de eleitor, todos com o mesmo nome falso. Como na época, as bases de documentos não se comunicavam entre si e os papéis não eram armazenados em sistemas eletrônicos, era fácil, de acordo com o MP, uma falsificação.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *