30 de junho de 2025
Politica

Qual o crime de quem ajuda um réu a fugir do País?

Questão interessante e que certamente provocará polêmica é a prisão cautelar de Gilson Machado, ex-ministro do turismo do governo do então presidente Jair Bolsonaro.

Segundo a imprensa, Machado teria buscado, com apoio de terceiros, um passaporte português em nome de Mauro Cid, para viabilizar sua saída do país com o objetivo de impedir a aplicação da lei penal.

E qual o crime que pode ser imputado a uma pessoa que ajuda ou tenta ajudar outra a fugir ou se safar da ação da Justiça ou da Polícia?

Genericamente, isto é, para todos os delitos, o tipo penal, denominado favorecimento pessoal e previsto no artigo 348 do Código Penal, pune esta conduta: Diz a norma penal: Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão: Pena. Detenção, de um a seis meses, e multa. § 1º Se ao crime não é cominada pena de reclusão: Pena. Detenção, de quinze dias a três meses, e multa.

O sujeito, para que ocorra a adequação típica, auxilia autor de crime a subtrair-se à ação da autoridade pública.

Auxiliar tem o sentido de ajudar o autor de um delito a fugir (ou escapar) da ação da autoridade pública.

Cuida-se de crime acessório, que depende da existência de crime anterior (principal), uma vez que a norma exige a prestação de auxílio a autor de crime, que pode ser doloso ou culposo, consumado ou tentado.

O auxílio, que pressupõe conduta comissiva, pode dar-se de qualquer forma (material ou moral), como a ocultação em residência, fornecimento de dinheiro ou transporte, despistamento da autoridade etc.

Tratando-se de funcionário público com o dever jurídico de agir, mas que se omite e propicia a subtração à ação da autoridade, poderá incorrer em outro crime, como a prevaricação ou a corrupção passiva, dependendo da presença dos elementos indispensáveis à caracterização desses delitos.

A ajuda ao criminoso deve ser posterior à prática do delito; se anterior ou concomitante, haverá concurso de agentes e não favorecimento pessoal.

A expressão “autor de crime” é usada genericamente, estando, pois, englobados o coautor e partícipe.

Não se trata, à evidência, de crime já julgado ou que tenha sido instaurado inquérito policial ou processo, mas de termo genérico (autor de crime) que pressupõe a prática de fato típico e ilícito juridicamente viável, ou seja, com possibilidade de condenação. Como a norma se refere a crime, está afastada a hipótese do cometimento de contravenção.

Havendo a absolvição do favorecido por qualquer motivo, não subsistirá o favorecimento pessoal, pois a pessoa não poderá ser considerada autora de crime para efeito do tipo penal. Assim, é recomendável que se lavre o termo circunstanciado ou se instaure o inquérito policial (se o caso) para apurar o favorecimento pessoal, mas se aguarde o desfecho do processo que o originou antes de ser oferecida a ação penal.

Exige-se, igualmente, que à época do delito o favorecido pudesse ser alcançado pela ação da autoridade pública. Com efeito, se o crime principal já foi atingido por uma causa extintiva da punibilidade ou da culpabilidade reconhecida judicialmente, de modo que o favorecido não pudesse ser detido, não haverá o crime de favorecimento pessoal.

A autoridade, a que se refere o tipo, será a judicial, policial ou administrativa, estando englobado o Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia etc.

Se ao crime for cominada pena de reclusão, aplica-se o caput (tipo simples); se a pena cominada não é de reclusão, aplica-se o § 1º, cuja pena é menor (tipo privilegiado).

Só para esclarecer, se quem presta auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena (§ 2º). Trata-se de escusa absolutória em que não se aplica pena ao autor culpável de um delito por razões de política criminal.

A consumação ocorre no momento que o favorecido, em virtude do auxílio que lhe é prestado, consegue safar-se da ação da autoridade pública, mesmo que por breve intervalo. Admite-se a tentativa, quando, nada obstante o auxílio, o beneficiado não se livra da ação da autoridade.

Anoto que se trata de crime de pequeno potencial ofensivo. Assim, tramitará perante o juizado especial criminal e é passível de transação penal, não havendo sequer o oferecimento de denúncia. Caso haja a propositura da ação penal, é possível a suspensão condicional do processo. Mesmo que haja condenação, dificilmente será imposta pena privativa de liberdade, mas restritiva de direitos ou pagamento de multa, exceto se se tratar de pessoa reincidente ou com circunstâncias judiciais desfavoráveis, como maus antecedentes criminais.

Diante da pena cominada e da que pode ser imposta no caso de condenação, não é possível a decretação da prisão preventiva e da temporária. Fere a proporcionalidade e a razoabilidade prender cautelarmente alguém se a probabilidade de cumprir pena privativa de liberdade é praticamente inexistente.

Outro delito que poderia ser pensado para aquele que ajuda uma pessoa a se safar da ação da autoridade, é o de obstar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. Tal delito vem previsto no artigo da Lei 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, que define organização criminosa e cuida dos procedimentos para apuração das infrações penais a ela relacionadas. Diz o tipo penal: “§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. A pena para este delito é de reclusão, de três oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Como fica evidente na definição típica, deve haver investigação criminal em andamento sobre infração penal que envolva organização criminosa. E, no caso, dar fuga a uma testemunha ou delator pode ensejar este delito, visto que estar-se-ia impedindo ou embaraçando as investigações.

Por outro lado, no caso da ação penal atinente aos atos de 8 de janeiro, as investigações já se encerraram e, por esse motivo, não encontra adequação no dispositivo em comento, por não haver mais investigação em curso, que envolva organização criminosa, vez que o processo se encontra na fase final de julgamento, inclusive com a oitiva das testemunhas, interrogatório dos acusados e até mesmo do delator concluídos.

Enfim, estes são os dois delitos que, em tese, podem ser imputados a quem dá fuga ou age para impedir alguém de ser alcançado pela ação de autoridade pública

Que cada um chegue à sua conclusão sobre os fatos.

 

 

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