1 de julho de 2025
Politica

Governo atrasa ‘censo das guardas’ enquanto Congresso avança no empoderamento das tropas municipais

BRASÍLIA – Iniciativas do Congresso para empoderar as guardas civis municipais e atender entidades de classe que pressionam por mais protagonismo dessas tropas contrastam com o atraso do governo em apresentar um “censo” sobre o funcionamento das corporações.

Se, de um lado, falta um retrato oficial de como elas são no Brasil, de outro as forças municipais vem sendo incentivadas num movimento que especialistas consideram superficial na busca por soluções aos problemas da segurança pública.

O “censo” começou a ser realizado no âmbito do Ministério da Justiça em 2024. Os primeiros resultados foram previstos para fevereiro, mas depois adiados para o fim do semestre. Agora, a nova previsão da pasta é apresentar o Diagnóstico Nacional das Guardas Civis Municipais em algum momento deste segundo semestre.

Procurado para apresentar resultados parciais, o ministério de Ricardo Lewandowski informou que “não é possível apresentar resultados parciais com segurança metodológica” porque dados ainda estão sendo coletados.

A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo na região da cracolândia
A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo na região da cracolândia

Um diagnóstico amplo das guardas poderá, pela primeira vez, oferecer um retrato completo do total de agentes e de como cada instituição funciona em centenas de cidades.

Segundo técnicos que acompanham os levantamentos, informações ainda estão sendo coletadas. O andamento da pesquisa foi impactado por mudanças na gestão das prefeituras, com trocas de diretores, coordenadores e comandantes das guardas. Os pesquisadores também têm enfrentado o problema da remessa parcial de informações por parte dos gestores das guardas.

Guardas da cidade de Muaná (PA), na Ilha do Marajó, em patrulhamento na vila de Ponta Negra
Guardas da cidade de Muaná (PA), na Ilha do Marajó, em patrulhamento na vila de Ponta Negra

A dificuldade em alcançar dados básicos é apontada como fator ilustrativo da incógnita na segurança pública municipal que atrapalha análises ampliadas das políticas públicas de segurança das cidades.

O fenômeno é ainda mais delicado por causa do protagonismo que prefeitos têm buscado no tema da segurança para sinalizar atuação contra a violência, um dos principais pontos de preocupação dos eleitores. Em vez de 27 polícias, cada um dos 5,5 mil municípios pode ter uma para chamar de sua.

Guarda de Muaná (PA), no Marajó, desloca o Uase, búfalo murrah usado no patrulhamento do município
Guarda de Muaná (PA), no Marajó, desloca o Uase, búfalo murrah usado no patrulhamento do município

Embora tenham se tornado populares nas cidades e prefeitos venham ampliando efetivos, não há informações precisas no País sobre quantas são nem sobre quantas estão devidamente capacitadas.

Como mostrou o Estadão, estima-se que cerca de 70% delas não cumpram integralmente o Estatuto Geral das Guardas, que prevê regras sobre treinamento, mecanismos de controle e planos de carreira.

Na prática, sobretudo em regiões com menor estrutura administrativa e financeira, a maioria é subordinada a vontades políticas de prefeitos e improvisa ações de combate ao crime com pessoas não concursadas e sem a qualificação necessária.

Na cidade de Muaná (PA), na Ilha de Marajó, por exemplo, a guarda é formada por pessoas da comunidade escolhidas pelo prefeito e usa búfalos, animal típico da região, para locomoção. Apesar da informalidade, o grupo é escalado para agir contra o tráfico de drogas, o abuso infantil e a “pirataria”.

As pesquisas já existentes apontam só uma ideia aproximada do total de prefeituras com guardas no Brasil. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) identificou 1.467, em 2023.

Entretanto, pelo menos 220 dessas instituições mapeadas eram na verdade serviços privados de segurança contratados, indica análise prévia do estudo do Ministério da Justiça. A pesquisa é coordenada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

A Guarda Municipal de Campinas tem um veículo blindado
A Guarda Municipal de Campinas tem um veículo blindado

Apesar da ideia de cerca de 1,4 mil prefeituras com guardas, o número pode ser muito menor. Em abril, o chefe da Senasp, Mário Sarrubo, disse durante um debate na OAB de São Paulo acreditar que elas são algo em torno de 650. As demais seriam “equipes de segurança das prefeituras”, estruturas sem paralelo com o regramento das guardas.

Sarrubo reforçou a preocupação do ministério com a diferença de níveis na qualificação das guardas municipais e disse que padronizá-las é uma das necessidades.

“Precisamos buscar um nivelamento nessa qualificação. Estamos fazendo uma pesquisa sobre a guarda civil. A gente quer um diagnóstico. Precisamos entender o tamanho, as características e o número de profissionais para que o Ministério da Justiça, dentro da sua função, possa fomentar as melhores políticas e equipar”, disse.

Senado permite rebatismo para ‘polícia municipal’

No final de maio, o Senado aprovou uma PEC que inclui guardas municipais e agentes de trânsito na lista das forças de segurança pública. A proposta, segundo especialistas, muda pouca coisa no que já vinha sendo feito nas ruas pelos guardas, mas dá mais segurança jurídica ao trabalho de patrulhamento ostensivo.

A PEC, que ainda precisa ser apreciada pela Câmara, também permite que as prefeituras rebatizem suas respectivas guardas como “polícia municipal”. A mudança de nome vinha sendo posta em prática por prefeitos como sinal de endurecimento das ações contra o crime nas cidades.

A especialista em segurança urbana municipal Juliana Martins, coordenadora institucional do FBSP, vê o rebatismo com ressalvas.

“O movimento de alguns prefeitos, para mudança de nome, me parece buscar apenas dividendos políticos oferecendo uma solução superficial para problemas que são muito complexos. Segurança pública não se faz só com polícia, com guarda, aquisição de equipamentos, de viaturas, de armas. É necessária a integração de muitos fatores”, disse, no debate da OAB.

O caso da Guarda Civil Metropolitana, de São Paulo, foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) após o Tribunal de Justiça de São Paulo barrar o rebatismo feito pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB). O ministro Flávio Dino manteve a decisão da segunda instância. O processo aguarda manifestação da Procuradoria-Geral da República.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *