O novo marco legal contra facções criminosas: avanços, riscos e os desafios constitucionais
O Brasil atravessa um momento decisivo na construção de instrumentos mais robustos para enfrentar facções criminosas. O conjunto formado pelo PL 5.582/2025, pela Lei 15.245/2025 (já em vigor) e pela chamada PEC da Segurança configura um novo arcabouço que pode reorganizar profundamente a atuação do Estado contra o crime organizado. Para compreender seu alcance real, é preciso observar o pacote como um sistema — com efeitos penais, constitucionais e institucionais interdependentes.
1. PL 5.582/2025: o eixo estruturante
Aprovado na Câmara dos Deputados e agora sob análise no Senado, o PL tornou-se o núcleo do novo modelo. Entre seus principais pontos:
a) Tipificação de “facção criminosa”
O projeto cria uma categoria jurídica própria, aplicável a organizações ultraviolentas, milícias privadas ou grupos paramilitares que controlam territórios ou exploram atividades ilícitas mediante coação. A inovação diferencia esses grupos da organização criminosa genérica da Lei 12.850/2013 e busca responder à escalada do domínio territorial exercido por facções.
b) Aumento de penas
Lideranças, financiadores, operadores logísticos, integrantes que utilizem armas de uso restrito ou que aliciem menores estarão sujeitos a punições mais severas — com possibilidade de aumento de pena de até dois terços em hipóteses qualificadas.
c) Restrições a benefícios penais
Em determinados casos, o patamar mínimo para progressão de regime sobe de 50% para 75%. Há limitações adicionais a regime semiaberto, liberdade condicional e outros benefícios, na tentativa de reduzir a influência de facções a partir do sistema prisional.
d) Estrangulamento financeiro
O PL aprofunda mecanismos de bloqueio, apreensão e destinação de bens, mirando diretamente a base econômica que sustenta o poder dessas organizações.
e) Integração de inteligência
A criação do Banco Nacional de Facções Criminosas, reunindo dados do sistema penitenciário, investigações e forças policiais, pretende fortalecer estratégias nacionais de inteligência e mitigar fragmentações históricas.
2. Lei 15.245/2025: efeitos já em curso
Enquanto o PL aguarda deliberação final, a Lei 15.245/2025 já promoveu alterações relevantes na Lei 12.850/2013, entre elas:
- reforço à proteção de agentes ameaçados;
- atualização das regras de colaboração premiada;
- criminalização de novas formas de interferência em investigações;
- fortalecimento das operações especiais.
Como o texto do PL ainda pode sofrer ajustes no Senado, será necessário compatibilizar esses dispositivos ao marco legal em construção.
3. PEC da Segurança: o alicerce constitucional
A Proposta de Emenda Constitucional busca enfrentar uma fragilidade histórica: a falta de coordenação entre União, Estados e Municípios. A aprovação da PEC poderá:
- delimitar com mais nitidez as competências federativas;
- instituir mecanismos permanentes de cooperação obrigatória;
- oferecer sustentação constitucional a políticas nacionais de segurança.
Sem um eixo constitucional sólido, as ações permanecem fragmentadas — e facções, que dependem dessas brechas, tendem a se fortalecer.
4. Pontos de atenção
Apesar dos avanços, alguns aspectos merecem debate apurado:
- Amplitude do conceito de facção – há risco de interpretações expansivas, que poderiam atingir grupos não equiparados às organizações que o projeto deseja combater.
- Divergências políticas – governo federal e relatoria divergem sobre o grau de rigidez do modelo.
- Direitos fundamentais – especialistas alertam para a necessidade de assegurar proporcionalidade das penas e individualização da responsabilidade penal.
5. Efeitos práticos esperados
Se mantido o escopo atual do PL, a expectativa é de:
- punições mais rígidas a lideranças e financiadores;
- maior capacidade estatal de bloquear fluxos financeiros ilícitos;
- endurecimento das regras de progressão de regime;
- avanço na integração de dados e inteligência policial.
6. O que acompanhar nas próximas semanas
Alguns pontos serão determinantes:
- eventuais ajustes promovidos pelo Senado;
- posicionamentos do Ministério Público, STF e STJ (inclusive eventuais ADIs);
- tramitação da PEC da Segurança;
- compatibilização entre a Lei 15.245/2025 e o futuro marco legal.
7. Conclusão: firmeza com equilíbrio constitucional
O país necessita de respostas mais firmes diante do avanço e da sofisticação das facções criminosas. Contudo, firmeza não se confunde com improvisação ou desrespeito à Constituição. Um marco eficaz deve combinar:
- clareza jurídica,
- integração federativa,
- proporcionalidade penal,
- inteligência institucional,
- e salvaguarda dos direitos fundamentais.
A segurança pública exige rigor, mas não autoritarismo. O desafio é construir um sistema forte o suficiente para enfrentar o crime organizado e, ao mesmo tempo, fiel aos pilares constitucionais que sustentam o Estado Democrático de Direito.
