Toffoli e Moraes colocam STF no centro da crise do Master e pressão por Código de Conduta aumenta
BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) foi tragado para o centro do escândalo do Banco Master pelas relações controversas pessoais e financeiras entre ministros que julgarão os processos e os investigados, suspeitos de fraudes de R$ 12,2 bilhões no sistema bancário. O episódio fortaleceu internamente o debate sobre a criação urgente de um Código de Conduta para os magistrados.
Embora integrantes do tribunal evitem comentar publicamente para preservar o “espírito de corpo”, nos bastidores, o incômodo é visível pelas conexões reveladas entre os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes com os controladores do Master.
Na última sexta-feira, 12, Toffoli, que viajou em um jatinho com um dos advogados da causa, impediu que a CPI do INSS tivesse acesso ao material de quebra dos sigilos bancário, fiscal e telemático do controlador do banco, Daniel Vorcaro.
Já a esposa de Moraes, Viviane de Moraes, fechou um contrato de R$ 129 milhões entre o escritório de advocacia e o Banco Master. Segundo o jornal O Globo, a banca da família Moraes representaria o banco “onde fosse necessário”.

O presidente do STF, Edson Fachin, propôs aos ministros a criação de um Código de Conduta logo que tomou posse na presidência do tribunal, em setembro. A ideia, porém, só ganhou força a partir da exposição das relações de Toffoli e Moraes em torno do caso Master.
Um dos pontos que o presidente do STF quer disciplinar é a participação de ministros em eventos patrocinados por grupos com processos nos tribunais superiores.
Levantamento do Estadão mostra que o Master patrocinou seis eventos no Brasil e no exterior com a presença de quatro ministros da atual composição do STF (Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Luiz Fux), dois ministros aposentados (Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e também o advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado à vaga de Barroso no STF.
Entre 2022 e 2025, foram seis fóruns ou conferências no Brasil. A maioria ocorreu no exterior, tendo o Master como patrocinador e Vorcaro entre os palestrantes. O Master esteve envolvido em conferências e fóruns com a participação de ministros do STF em Nova York, Roma, Londres, Paris e Cambridge (EUA).
Fachin não se pronunciou publicamente, nem falou do assunto com os colegas. Mas fontes do STF atestam que uma ala da Corte – de dois ministros – ficou incomodada com a exposição do Tribunal.
Vorcaro foi preso preventivamente em 17 de novembro. Onze dias depois, o banqueiro e outros quatro investigados no esquema foram libertados por ordem do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região .
No mesmo dia, 28 de novembro, Toffoli foi sorteado relator no STF do recurso apresentado pela defesa de Vorcaro. Poucas horas depois, viajou para assistir à final da Libertadores em Lima, capital do Peru, no mesmo jatinho onde estava também o advogado de um dos diretores do banco. A interlocutores, o ministro alegou que não discutiu o processo durante a viagem.
Toffoli decretou um alto grau de sigilo ao processo em 3 de dezembro. Alegou que as investigações contêm informações sensíveis do sistema financeiro e que o vazamento poderia implicar em danos para o País.
O ministro também determinou que as investigações permanecessem no STF. Explicou que as investigações chegaram ao nome de um deputado federal, João Carlos Bacelar (PL-BA), que tem direito ao foro especial.
No entanto, o documento de promessa de compra e venda de uma casa de R$ 250 milhões na Bahia entre o deputado e o banqueiro, revelado pelo Estadão, não tem relação com os fatos investigados no inquérito sobre a venda para o BRB. Por isso, o Ministério Público Federal pediu que o caso permanecesse na primeira instância.
Apesar de Moraes não ter tomado nenhuma decisão no processo, ele pode vir a fazer isso se o caso continuar no STF e se for debatido em plenário.
O aparente conflito de interesse entre o público e o privado não é exclusividade do caso Banco Master. No STF, há ministros com parentes advogados que atuam na própria Corte, ou em outros tribunais superiores.
A sugestão de Fachin de criar um Código de Conduta poderia frear esse tipo de comportamento. Mas, para o instrumento ser aprovado, o presidente da Corte precisaria da adesão da maioria dos colegas. Hoje, esse cenário está distante da realidade.
Outra solução para disciplinar a conduta dos ministros seria uma espécie de controle externo: de acordo com a Constituição, cabe ao Senado abrir e instruir processos de impeachment contra ministros do STF. No último dia 3, Gilmar Mendes deu uma decisão que limita esse poder do Congresso. Hoje, apenas o próprio Supremo tem condições de impor freio a si mesmo.
O procurador de Justiça Roberto Livianu aponta duas maneiras para o STF resgatar a credibilidade: a instituição de um Código de Ética e a instituição de mandato de dez anos para ministros da Corte. “O grande desafio é encontrar um mecanismo de fazer com que os ministros se comprometam a cumprir o código, o que não é fácil”, ponderou Livianu, que é também presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).
O procurador, que foi colega de Moraes e Toffoli na USP, apontou práticas que podem minar a confiança dos brasileiros no Supremo. “Essas questões de parentes advogando em tribunais, essas aceitações de convites para dar palestras e participar em eventos de particulares — e, às vezes, os particulares têm processos que serão julgados pelos próprios ministros, como está vindo à tona que o Vorcaro bancava esses eventos”, lembrou. “É necessário que haja prudência, que haja cuidado”.
“É muito importante que nós tenhamos um conjunto de regras protetivas da ética. Nós não podemos ter qualquer tipo de senão que dê margem a conflitos de interesse. Isso é algo relevante para proteger o próprio STF”, defendeu Livianu.
Sobre a conduta de Toffoli, comentou: “É necessário ter muito cuidado quando se aceita viajar em caronas. Isso pode colocar a pessoa em uma situação delicada, é a questão do conflito de interesses. Como se tem a necessária isenção para julgar em uma situação como essa?”
O ministro aposentado do STF, Celso de Mello, já tinha afirmado ao Estadão que a proposta de Fachin de criação de um Código de Ética “merece amplo apoio público”.
“Trata-se de medida moralmente necessária e institucionalmente urgente. Em democracias consolidadas, a confiança na Justiça exige não apenas juízes honestos, mas regras claras, que impeçam qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados e governamentais”, afirmou.
“No caso do STF e dos tribunais superiores, um código de conduta não reduz a independência dos ministros; ao contrário, protege-a, afastando suspeitas, prevenindo constrangimentos e fortalecendo a autoridade moral das decisões da Corte”, prosseguiu.
O professor de Direito Constitucional da USP Rubens Beçak também defende a aprovação das regras de conduta para os ministros. “Os agentes públicos têm que ter conduta ilibada, especialmente aqueles que ocupam a função de ministro do STF. Eu não estou dizendo que tem alguma coisa errada, mas costumo citar o dito de César há mais de 2 mil anos: não basta ser honesto, tem que parecer honesto”, afirmou.
“O ministro viaja com o advogado de um processo que o próprio Toffoli desaforou para ele. Isso pode dar a sensação de que pode ter alguma coisa estranha, escusa. Não estou dizendo que tem, mas a coisa não pode ser assim”, disse Beçak.
“Quando se fala do ministro Moraes, a mulher dele é independente, claro que ela pode ter um escritório de advocacia. Quem está observando, tem uma sensação não só de que o valor é alto, sobre isso não haveria problema, parabéns a ela se conseguiu esse contrato, o problema é que é com o pessoal do Banco Master, e está se apurando se há um ilícito ou não”, ponderou o professor.
Para ele, a vinda de um Código de Ética daria transparência e compliance ao STF sobre como agir em determinadas situações. “Os ministros podem participar de eventos, eles podem cobrar para ir a eventos, mas tem que ser claro. O Supremo reiteradamente coloca sigilo em tudo, não se sabem os valores”, declarou. “O agente público tem que ter uma conduta o mais transparente possível”, concluiu.
