Faixa Azul
A concepção do projeto-piloto da Faixa Azul nasce de uma necessidade e de um compromisso da gestão municipal de São Paulo. A necessidade é enfrentar o crescimento exponencial da frota de motos na cidade nos últimos anos e, consequentemente, a alta no número de sinistros. O compromisso é tornar a capital paulista numa referência em segurança viária, com a redução das mortes causadas pela violência no trânsito. O desafio de reduzir os sinistros não é exclusivo de São Paulo: trata-se de uma realidade comum às grandes cidades brasileiras.
Assim, em 25 de janeiro de 2022, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) implantou, de forma experimental e com a anuência da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o primeiro trecho da Faixa Azul na cidade. O local escolhido foi a Avenida 23 de Maio, no sentido Aeroporto, entre a Praça da Bandeira e o Complexo Viário João Jorge Saad, com 5,5 km de extensão. Desde então, outros 227,2 km foram implantados, totalizando 232,7 km de vias com a nova sinalização. Todos os trechos vêm sendo acompanhados de perto pelas equipes de campo da Operação e analisados pelos técnicos de planejamento desde meses antes da implantação.
Por se tratar de um projeto-piloto, cada novo trecho implantado é objeto de estudo permanente, com a consolidação de relatórios trimestrais baseados em avaliações e critérios rigorosos definidos pela Senatran. Assim como a própria Faixa Azul, as metodologias de mensuração de resultados também evoluíram ao longo dos últimos três anos.
Ao longo do tempo, passamos por algumas metodologias que partiram de diferentes perspectivas para mensurar os resultados. Todos os estudos apresentados até hoje apontaram para efeitos benéficos. A Unidade Padrão de Severidade (UPS), utilizada para acompanhar os efeitos do trecho inaugural da Av. 23 de Maio e também um trecho de 17 km da Av. dos Bandeirantes, apontou que transitar pela Faixa Azul é até 20 vezes mais seguro do que se deslocar fora dela.
Uma outra perspectiva, comparando os óbitos de motociclistas nos anos de 2023 e 2024, isolando apenas os trechos de vias da cidade em que a Faixa Azul foi implantada, demonstrou que, nesses trechos, houve redução de 47% nas mortes. Isso em um cenário de aumento de 20% na quantidade de mortes de motociclistas no mesmo período, se considerarmos a cidade toda.
Neste primeiro semestre de 2025, de acordo com o Infosiga, a cidade de São Paulo teve uma redução de 7% na quantidade de mortes de motociclistas na comparação com o ano passado. A queda vai na contramão do aumento de 5% na quantidade de mortes no Estado de São Paulo nos primeiros seis meses de 2025 em relação a 2024.
Agora, para fins de conclusão das avaliações gerais do projeto-piloto da Faixa Azul, a CET trabalha na consolidação da comparação de acidentes entre motociclistas em períodos equivalentes de “antes” e “depois” da implantação de cada um dos trechos de Faixa Azul implantados até outubro de 2024, utilizando-se de dados coletados no Sistema Infosiga – Detran-SP até dezembro de 2024.
Essa comparação segue critérios técnicos rigorosos, com base em fontes iguais e parâmetros compatíveis. Cada número da base de dados do Infosiga foi investigado, e complementado com as informações dos boletins de ocorrência e dos relatórios das atividades de campo da Operação da CET. O resultado preliminar do estudo, apresentado nesta semana durante a Conferência Nacional de Segurança no Trânsito – promovida pela Senatran – é que a Faixa Azul reduziu o número de sinistros de trânsito envolvendo motociclistas em 20%.
Todas as metodologias utilizadas para avaliar a Faixa Azul são complementares, com vantagens e limitações. O importante é que elas se somem em busca do aperfeiçoamento e de correções do modelo. A realização de um estudo “independente”, também em fase preliminar, realizado pela USP, UFC, Instituto Cordial e Vital Strategies, apresentado também nesta semana na Conferência, como os anteriores, traz uma visão complementar. Entretanto, são necessárias algumas ressalvas.
A metodologia aplicada, conhecida como Diferença na Diferença – utilizada, por exemplo, para testes de novos medicamentos, em que um grupo de controle toma placebo – tem limitações quando aplicada para questões de mobilidade numa cidade complexa e dinâmica como São Paulo. O trânsito da cidade (e de cada via em específico) é afetado por diversas variáveis. São obras, eventos, interdições, mudanças de linhas de ônibus, alterações da temporização dos semáforos, etc. Assim, é praticamente impossível garantir que a única diferença entre vias “similares”, escolhidas para os grupos de controle, seja a Faixa Azul. Mesmo a similaridade é difícil de garantir.
As ruas da cidade de São Paulo, em especial aquelas que são adequadas para a Faixa Azul, têm características únicas e não podem ser completamente comparáveis. A largura, a topografia, o volume de tráfego, os equipamentos públicos e serviços nela instalados são distintos. O próprio comportamento dos condutores é influenciado pela implantação da Faixa Azul. Eles podem, espontaneamente, realizar alterações de comportamento e de trajeto em razão da nova sinalização. Por fim, características relacionadas ao tempo (seja o clima ou os diferentes períodos do dia) alteram a dinâmica do trânsito.
Da forma como o trabalho da USP, contratado pela Vital Strategies, foi apresentado na Conferência realizada pela Senatran durante a 1a Semana Nacional de Prevenção de Acidentes com Motociclistas e enviado para a mídia (um resumo das conclusões preliminares e inconclusivas, conforme anunciado pelos próprios painelistas), suscitando a reportagem publicada por O Globo, no dia 30/8, é impossível conhecer a qualidade das informações utilizadas e os critérios de seleção dos grupos de controle, entre outros aspectos.
Diante do propósito da CET em reduzir o número de sinistros de trânsito, toda nova perspectiva dada sobre as políticas públicas em avaliação é bem-vinda. Contudo, em nome da transparência e de resultados construtivos, de fato, fica o convite para que o trabalho dos pesquisadores seja apresentado de maneira adequada aos técnicos encarregados pelo projeto-piloto da Faixa Azul da cidade de São Paulo. Dessa forma, sim, será possível utilizar o conhecimento adquirido com o conjunto de avaliações em prol da segurança viária, em especial na preservação da vida dos motociclistas.