13 de setembro de 2025
Politica

A conta da impunidade: dos remédios da Ultrafarma às fraudes no INSS

A sensação de impunidade diante de crimes de colarinho branco mina a confiança da sociedade brasileira nas instituições. Embora discreta, essa crise é profunda e se manifesta no descrédito generalizado da Justiça. Ao longo das últimas décadas, a sociedade assistiu a uma sucessão de escândalos que revelaram um padrão recorrente: investigações de grande impacto, prisões de forte apelo midiático, manchetes em todos os jornais, mas que, com o passar do tempo, se dissolveram em recursos jurídicos intermináveis, prescrições oportunas e devoluções parciais dos valores desviados. É nesse cenário que os casos bilionários recentes, da Ultrafarma e do INSS, ganham importância, não apenas pelo que revelam individualmente, mas pelo contraste que estabelecem entre a promessa de punição e a realidade da impunidade.

A atuação rápida no caso da Operação Ícaro, que levou à prisão do proprietário da Ultrafarma, mostrou que as instituições brasileiras podem reagir com firmeza diante de grandes esquemas de fraude, desde que haja vontade política e institucional. O empresário foi apontado como beneficiário de um esquema de créditos fraudulentos de ICMS que teria movimentado até R$ 1 bilhão. Sua prisão teve repercussão imediata, transmitindo uma mensagem de firmeza contra crimes de colarinho branco. Detido inicialmente sob fiança de R$ 25 milhões, o valor não foi pago, pois o empresário acabou se beneficiando de uma liminar que suspendeu a cobrança. Dias depois, um habeas corpus garantiu sua liberdade. O episódio, começou como exemplo de rigor, mas rapidamente passou a simbolizar os entraves à responsabilização penal de figuras influentes. Esse desfecho expõe, de forma contundente, os obstáculos que existem à responsabilização dos criminosos de colarinho branco. O caso, que começou como exemplo de ação firme do Estado, corre o risco de terminar como mais um episódio de impunidade.

Já o escândalo das fraudes no INSS expôs um esquema de graves proporções, com impacto direto sobre milhões de aposentados e pensionistas. Segundo dados oficiais, cerca de R$ 6,3 bilhões foram desviados por meio de descontos indevidos aplicados diretamente sobre benefícios previdenciários. Diferente de outros casos de corrupção, muitas vezes vistos como “crimes sem vítima”, aqui as vítimas eram claras: milhões de aposentados e pensionistas identificáveis por nome, sobrenome, CPF e dados bancários. Esse caráter concreto torna a fraude ainda mais grave, pois afetou cidadãos vulneráveis, cuja subsistência dependia desses recursos. O escândalo teve ampla cobertura na imprensa, gerou mandados de busca e apreensão, quebras de sigilo e até levou à recente instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Ainda assim, não houve prisões nem recuperação dos valores. A única consequência até agora foi a renúncia de um ministro, um impacto político, mas não penal.

A comparação entre esses dois episódios recentes traz um padrão preocupante. No caso da Ultrafarma, o aparato estatal mostrou que pode agir com rapidez, mas logo esbarrou em entraves judiciais que relativizaram o impacto inicial. No caso do INSS, a dimensão do escândalo e a quantidade de vítimas não foram suficientes sequer para garantir prisões ou recuperação dos ativos roubados, já que os valores parcialmente devolvidos aos aposentados vieram de recursos públicos, e não dos responsáveis pela fraude. O contraste entre uma resposta imediata e ausência de desfecho apenas reforça a percepção de que, no Brasil, a impunidade prevalece quando o crime vem acompanhado de influência, poder ou dinheiro.

Enfrentar a corrupção requer uma dupla abordagem: de um lado, a aplicação do direito penal para coibir e desincentivar novos delitos; e, de outro, a recuperação dos recursos desviados, sem o que a sociedade fica desamparada diante do prejuízo. Sem isso, o recado dado à sociedade é claro: é possível fraudar o sistema, estender o processo por anos e, ao final, talvez devolver uma fração do valor desviado. É esse círculo vicioso que alimenta a corrosão da confiança pública pela sociedade e naturaliza a sensação de que o crime compensa.

O esvaziamento das investigações anticorrupção após o fim da Lava Jato reforçou a sensação de retrocesso e, não fosse esse enfraquecimento, talvez o país não estivesse hoje diante de escândalos como os da Ultrafarma e do INSS. Velhos padrões voltaram à cena: réus libertos, condenações anuladas e leniência diante de grandes esquemas reacenderam a percepção de que, no Brasil, sempre existe uma saída para quem tem poder e dinheiro. Não surpreende, portanto, que o dono da Ultrafarma já esteja solto sem sequer pagar a fiança, ou que os milhões de aposentados tenham sido vítimas de uma fraude colossal no INSS, sem que até agora um único responsável esteja atrás das grades ou tenha devolvido os ativos roubados. Esses episódios não são acidentes isolados, mas sintomas de um país que retrocedeu no combate à corrupção e voltou a flertar perigosamente com a impunidade estrutural.

A impunidade, além de causar prejuízos econômicos, compromete a credibilidade das instituições democráticas. O Brasil precisa retomar o compromisso de investigar e punir crimes de corrupção. Isso significa restabelecer a prisão em segunda instância, pôr fim ao foro privilegiado, reduzir a morosidade do judiciário, ampliar a cooperação internacional no rastreamento e repatriação de ativos no exterior e promover uma cultura de integridade que reduza a tolerância social com a corrupção.

Enquanto o episódio da Ultrafarma serve de exemplo que respostas rápidas são possíveis; já o escândalo do INSS revela os riscos de se normalizar a impunidade. Juntos, os dois casos ilustram que punir e recuperar não são caminhos alternativos, mas complementares. Sem isso, os escândalos continuarão a se acumular, fazendo com que a corrupção seja um traço persistente na vida pública nacional e não uma exceção a ser combatida com firmeza.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.

 

 

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